SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Bem recebido pelos professores, mas não tanto pelos alunos, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) voltou nesta sexta-feira (20) à USP (Universidade de São Paulo) para um evento, no qual afirmou que o governo Lula optou por uma política econômica que surpreendeu o mercado e promoveu um ajuste fiscal não recessivo.
Na entrada do evento, organizado pelas três faculdades pelas quais passou (Direito, Economia e Filosofia, Letras e Ciências Humanas), o ministro foi recebido por estudantes com uma série de cartazes críticos. Um deles, que dizia “abaixo o arcabouço fiscal”, foi citado por ele durante a palestra.
Ao final da apresentação e de uma rodada de perguntas, alguns estudantes presentes entoaram um coro contra o arcabouço, que traz as metas para o resultado das contas públicas.
Antes, o ministro recorreu a uma frase de um amigo para falar sobre as críticas à condução da política fiscal. Segundo Haddad, se alguém defende um superávit primário nas contas públicas de 0,2% do PIB (Produto Interno Bruto) como meta, é tachado como neoliberal. Se defende um déficit do mesmo valor, é chamado de comunista. “Então a diferença entre um liberal e um comunista é 0,4% da meta”, afirmou.
O ministro começou sua apresentação falando sobre a transição do governo, na qual avaliou que Lula herdou uma situação de anormalidade nas contas públicas, com calote de precatórios, destruição do cadastro dos programas sociais e aumento de emendas parlamentares.
Afirmou, ainda, que o governo optou por uma estratégia de ajuste fiscal não recessivo, contrariando a expectativa do mercado de que o Executivo cometeria um de dois erros: não fazer o ajuste, e deixar juros e dólar dispararem, ou fazer um ajuste recessivo. Isso explicaria as falhas de projeção do mercado para o PIB (Produto Interno Bruto), segundo Haddad.
“O que se vê é esse nervosismo, a cada dois dias um susto. Nada do que o mercado projeta se confirma”, disse o ministro.
Durante a apresentação, afirmou que a questão fiscal importa e que foi o arcabouço que permitiu pagar benefícios sociais, aumentar investimentos e reduzir as tensões sociais que ainda existem no cenário político.
Haddad também defendeu a estratégia do governo de aumento da arrecadação, dizendo que, ao longo de dez anos, um conjunto de empresas se apropriou do orçamento público e começou a aprovar leis que tiraram receitas de mais de R$ 200 bilhões do governo. Por isso, um dos caminhos do ajuste seria cobrar tributos de quem deixou de pagar.
“O mais engraçado é que quem mais se beneficia dos incentivos fiscais são os primeiros a exigir o equilíbrio fiscal. Todo mundo quer o equilíbrio fiscal, desde que não mexa com o seu”, afirmou.
O ministro seguiu na crítica ao afirmar que, no Brasil, todo benefício fiscal visto é um direito adquirido, tanto do trilionário como daquele que está no topo da carreira do serviço público.
Segundo o ministro, outro problema são as muitas teses tributárias. Na maioria dos casos, defendendo privilégios de alguém, e contestando leis que, para ele, já possuem dispositivos feitos para gerar questionamentos.
“Por isso que hoje não adianta ser economista para ser ministro da Fazenda. Você tem de ter no mínimo um bom corpo de advogados para te defender. Pelo menos 20% do meu tempo é estudando ações judiciais que a União pode perder e que podem acarretar o desequilíbrio das contas”, afirmou.
“Isso é uma indústria, você não consegue se livrar disso.”
Segundo o ministro, o planejamento tributário virou critério para saber quem vai ganhar a disputa no mercado. “O planejamento tributário responde por 80% da disputa, e 20% você vai falar de competência.”
PROTESTOS
Em meio a gritos de guerra como “o arcabouço ataca a educação, queima floresta e dá dinheiro para o patrão”, estudantes da USP de diferentes faculdades protestaram após o encerramento da palestra do ministro.
As principais críticas eram em relação ao limite de gastos e à ineficiência nas ações de prevenção e controle dos fogos que se alastram pelo país desde o começo de agosto. O ministro chegou a ser chamado de “Paulo Guedes do PT”, numa comparação ao ex-ministro da Economia do governo de Jair Bolsonaro (PL), pelos manifestantes.
Pedro Chiquitti, 20, estudante de história e parte do coletivo Juntos, conta que o DCE (Diretório Central de Estudantes) esteve com Lula e Haddad, em 2022, fazendo campanha para o segundo turno das eleições presidenciais, mas que agora tem um papel também de questionar o desempenho do atual governo.
“Nossa principal demanda é contra o arcabouço fiscal, porque ele limita os gastos que devem ser investimentos. O Plano Safra, por exemplo, destinou R$ 400 bilhões ao agronegócio, mas apenas R$ 75 bilhões para pequenos produtores”, diz.
Muitos criticaram também a postura que consideram mais à direita do ministro, que dialoga com setores que se beneficiam de incentivo fiscal e agravam a crise climática.
“O Fernando Haddad é um consenso entre a própria direita que é aquilo que há de mais ‘moderado’ e de mais contato com a Febraban [Federação Brasileira de Bancos], a Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo] e os bancos. Na nossa interpretação é uma escolha de projeto político, de não enfrentar a crise climática, não enfrentar a lógica do teto de gastos, privilegiando atender os setores da especulação imobiliária”.
EDUARDO CUCOLO E ANA BOTTALLO / Folhapress