SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS0 – Na tarde de 23 de agosto, moradores de São Paulo perceberam que estava mais difícil respirar enquanto observavam o céu avermelhado e a fuligem caindo nas suas varandas. A cidade sentia os efeitos dos cerca de 2.600 focos de incêndios que se espalharam quase ao mesmo tempo pelo estado.
A cerca de 250 km da capital, o produtor rural Eduardo Sampaio, 55, via o fogo de perto. As chamas estavam a 70 metros da propriedade dele, em Mococa (SP), tendo como barreira apenas o leito do rio Pardo.
Na manhã seguinte, fagulhas impulsionadas pelo vento saltaram sobre o curso d’água, atingindo a palha seca da cana-de-açúcar que já tinha sido colhida. Em dez horas, praticamente todos os 2.500 hectares da fazenda passaram a arder.
Plantações de cana, soja e sorgo viraram cinzas. Também foram dizimadas espécies nativas do lugar onde cerrado e mata atlântica se encontram, representando cerca de 30% da propriedade.
Dois cavalos queimados foram sacrificados, cinco vacas morreram ao caírem num fosso. Carcaças de capivaras, tatus e tucanos ainda podem ser encontradas pelo terreno.
Apesar de enorme, a fazenda representa só uma fração dos cerca de 100 mil hectares de área rural destruídos pelo fogo em Mococa, que viveu nesta sexta-feira (20) o seu primeiro dia sem queimadas em semanas graças à forte chuva da véspera.
Na ausência de respostas claras sobre o que provocou amplas queimadas desde o final de agosto, a cidade espera por uma trégua no fogo para calcular prejuízos e pedir ajuda aos governos estadual e federal para se refazer e, principalmente, prevenir novas catástrofes.
Avesso à busca por culpados na polarização política do país, Sampaio aponta um perigo de ordem técnica: o excesso de palha produzido pela colheita mecânica da cana. Em períodos de estiagem severa, como o atual, o material deixado sobre o solo pode facilmente entrar em combustão ao ter contato com fagulhas.
“Antes, o fogo usado de forma controlada eliminava o excesso de palha, mas agora é preciso pensar em uma solução para regiões onde usinas não têm interesse nesse material”, diz o produtor.
Desde a década passada o manejo do fogo é proibido como técnica para facilitar o corte manual da cana. A colheita por máquinas trouxe benefícios como a redução da poluição atmosférica e o fim do trabalho extenuante de boias-frias nos canaviais.
Hoje não há mão de obra disponível para colheita manual nem tecnologia nas usinas para processar a cana colhida inteira. O maquinário utilizado atualmente já entrega a planta picada. A palha que sobra tem importância na preparação do solo para a safra seguinte, mas se torna um problema quando acumulada em excesso.
Há utilidade para o material, como a geração de energia nas usinas. O processo, porém, é custoso. É preciso enfileirar a palhada, depois transformá-la em fardos e, por fim, recolher e transportar. Cada etapa envolve máquinas específicas.
Diante de um cenário de aquecimento global e ameaça de secas mais severas e frequentes, cidades com economia atrelada ao agronegócio precisarão cada vez mais de recursos e apoio de órgãos de pesquisa do Estado e da União para lidar com tais questões, diz o secretário de Agricultura de Mococa, Antonio Luís de Lima Dias.
“Não há a menor possibilidade de se discutir a volta do manejo do fogo, porque mesmo na hipótese de se evitar um incêndio com o uso controlado, apesar de eu achar o fogo incontrolável, a poluição e o prejuízo ambiental da queima constante são muito piores”, diz.
Outras respostas ainda são esperadas, como a criação de um sistema de combate a incêndios mais robusto, que possa dotar os municípios de mais caminhões-pipa, afirma Dias.
Há também prejuízos maiores do que a perda financeira imediata. Culturas como a da cana têm ciclos relativamente curtos e poderão estar recuperadas em cerca de 12 meses. Já a perda de vegetação nativa é incalculável, afirma o secretário.
Na propriedade de Sampaio, a mata nativa vinha sendo preservada desde que a área estava sob os cuidados do avô dele. Após a catástrofe, a recuperação poderá levar décadas. “Vamos precisar de ajuda para entender como será possível reflorestar, a forma correta de semear, não sabemos como lidar com isso”, diz o produtor.
CLAYTON CASTELANI E ZANONE FRAISSAT / Folhapress