SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A previsão de chuva abaixo da média para parte do Sudeste nos próximos meses acende alerta, mas ainda não representa uma surpresa ruim como o verão seco que antecipou, há dez anos, a crise hídrica em São Paulo.
Especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que o estado ganhou margem de manobra com o legado de 2014 e 2015, mas ainda precisa ampliar sua resiliência para reduzir a dependência de chuvas. O alerta já soou para o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), que acelerou medidas contra o risco de desabastecimento de água.
Já a Sabesp, responsável pelo abastecimento na região metropolitana de São Paulo, descarta risco de desabastecimento mesmo após a previsão de chuva abaixo da média.
Para Antonio Carlos Zuffo, professor do departamento de Recursos Hídricos da Unicamp, a análise de eventos passados de chuva e crises como a do apagão de 2001 indicam uma recorrência de cerca de 11 anos para o problema da crise hídrica. “E parece relacionado com o caso de 2014 e 2015, que começou a partir de 2013 e 2012 [com pouca chuva], porque de 2009 a 2011 tivemos enchentes.”
Depois da crise de 2014, foi feita uma interligação dos sistemas de abastecimento. Isso ajuda a impedir novos problemas em algumas áreas, como na região metropolitana da capital. Mas parte do interior, que tem registrado racionamento em algumas cidades, pode sofrer mais pela baixa reposição de água no solo, agravada pela pouca chuva, segundo o professor.
“Com dois ou três anos de menos chuva, essas vazões [de recarga] vão ficando menores. E se atrasar o início do período de chuva, que termina em março ou abril, haverá pouca recarga.” Ainda, o aumento da perfuração de poços, solução que o governo paulista deve ampliar, pode afetar a vazão e a quantidade de água dos sistemas subterrâneos, diz Zuffo.
O governo de São Paulo tem R$ 93 milhões para novas perfurações, mas a ação é controlada para não afetar as vazões.
Segundo a secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, Natália Resende, a ideia é incentivar, como contrapartida, a adesão dos municípios a iniciativas de longo prazo. Uma delas é regionalizar o saneamento. “Porque muitas vezes você fura o poço, mas o município tem captação, só que tem uma perda grande de água, porque o saneamento é individual e não olha para a cadeia como um todo.”
A solução do governo, como mostrou reportagem da Folha, é criar PPPs (parcerias público-privadas) para os 274 municípios não atendidos pela Sabesp.
Para Pedro Luiz Côrtes, professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP, o risco está na situação de neutralidade entre El Niño e La Niña, semelhante à de 2014. “Os piores cenários de recarga do sistema Cantareira ocorrem exatamente nessa fase de neutralidade e também durante o La Niña.”
“Se chover a média previsa, em março [o sistema] recupera”, afirma André Gois, superintendente de Produção de Água da Metropolitana da Sabesp. “Se chover 70%, chegaremos a julho [de 2025] com os mesmos níveis que estamos agora.”
Superintendente de operação da região Metropolitana Oeste da companhia, Marco Antonio Lopez Barros diz há tranquilidade para a situação dos reservatórios mesmo que as chuvas fiquem abaixo da média.
“É importante lembrar do que precedeu a crise em 2013, um ano parecido com o que vivemos agora e que está dentro da normalidade climática como um ano seco. O problema foi, no verão, não chover absolutamente nada, principalmente em dezembro e janeiro [de 2014].”
Para Jerson Kelman, colunista da Folha e ex-presidente da Sabesp, outro ponto de avanço seria a conclusão da reversão do rio Itapanhaú, na Serra do Mar, para adicionar água suficiente para abastecer 600 mil pessoas. “Quando vencemos a crise de 2015, a intenção era fazermos três reforços no sistema de abastecimento. Essa terceira ficou encalacrada.” Barrado na Justiça em 2017, o projeto está em andamento.
O primeiro foi a interligação dos reservatórios, que contou com a adição de água do Paraíba do Sul. O segundo, a conclusão de São Lourenço, segundo Kelman, que havia começado ainda antes da crise.
Segundo os representantes da Sabesp, as mudanças concluídas deram margem de manobra e ajudaram a driblar possíveis crises em anos recentes. “Como a que vivemos em 2018 e não sentimos nada, assim como em 2021, quando os índices de chuva foram ainda menores do que em 2014”, afirma Barros.
LUCAS LACERDA / Folhapress