WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – As explosões atribuídas a Israel em várias regiões do Líbano, atingindo centenas de pagers e walkie-talkies, têm preocupado a comunidade brasileira no país. Os relatos são de uma crescente sensação de insegurança.
“Imagine você estar no mercado, e o pager da pessoa do seu lado, que você nem conhece, explodir”, diz a paulista Carla Mussallam, 57. “Você, que não tem nada a ver com esse problema, pode ser atingido também.”
Há cerca de 21 mil brasileiros no Líbano, segundo o Itamaraty. Muitos, como Mussallam, nasceram no Brasil em famílias de origem libanesa e emigraram já adultos. Ela viajou em 1997 e hoje vive ao sul de Beirute.
Na última terça-feira (17), pagers começaram a explodir no país, deixando ao menos 12 mortos –incluindo uma menina de 9 anos. Uma ação parecida no dia seguinte, dessa vez com walkie-talkies, matou outros 25. Há centenas de feridos, muitos deles amputados e cegos.
Até agora, Israel não reivindicou a autoria dos ataques nem os comentou. Há pouca dúvida, porém, de que o país esteja por trás das explosões direcionadas a membros do Hezbollah. Reportagem do The New York Times mostrou que agentes de inteligência de Tel Aviv abriram uma empresa de fachada na Hungria para montar os pagers com explosivos que foram vendidos à milícia libanesa.
Um dos principais temores dos brasileiros ouvidos pela reportagem é o fato de que um aparelho potencialmente explosivo pode estar em qualquer lugar. Um dos vídeos circulando na internet mostra a explosão dentro de um mercado com várias pessoas. Essa incerteza tem feito com que alguns evitem circular em locais movimentados. “A gente não sabe o que vai acontecer”, diz Mussallam.
Em 2020, os libaneses viveram o trauma de uma grande explosão na zona portuária de Beirute, sob circunstâncias até hoje não totalmente esclarecidas. A tragédia deixou 218 mortos e devastou parte do centro da capital. Veio depois a pandemia da Covid-19. No fim do ano passado, começaram os embates com Israel na região fronteiriça.
O Hezbollah é aliado do Hamas, a facção terrorista palestina que realizou os atentados do 7 de Outubro contra o sul de Israel. Ambos os grupos são patrocinados pelo regime do Irã, arqui-inimigo de Tel Aviv.
As consequências dos conflitos recentes são mais sentidas, porém, no sul do Líbano. Em Beirute, ainda existe algum tipo de normalidade, dizem brasileiros –na medida do possível. Restaurantes e clubes noturnos seguem funcionando, assim como as escolas.
Ainda assim, pessoas ouvidas pela Folha dizem que até seus filhos já aprenderam a reconhecer o barulho do sobrevoo dos aviões israelenses. Usam a expressão árabe “jidar sot”, que se refere à quebra da barreira do som. “É horrível, chacoalha a casa toda”, conta Mussallam. Há agora sites na internet monitorando a ocorrência desses estrondos.
“Vivemos estressados o tempo todo”, diz a mineira Mona Hachem, 56. Descendente de libaneses, ela se mudou para Sidon, no sul, em 1993. “Nós estamos sempre correndo risco.”
Newsletter Lá Fora Receba no seu email uma seleção semanal com o que de mais importante aconteceu no mundo *** Hachem conta que, quando os confrontos começaram no ano passado, ela temia bombardeios contra o aeroporto de Beirute. Isso dificultaria uma eventual fuga. Então ela foi para o Brasil passar cinco meses. “Voltei na esperança de melhorar”, afirma. Piorou, porém, a cada dia. Ainda assim, ela decidiu ficar por lá com a família. Conta com um grupo de brasileiras que se apoiam por meio de redes sociais e de aplicativos de conversa, divulgando notícias.
Mesmo os brasileiros em áreas mais afastadas, consideradas mais seguras, sentem os efeitos da guerra. É o caso da paulista Sawsan Saleh, 44, que imigrou em 2000. Ela vive em Sultan Yacub, no vale do Beqaa, a leste, perto da fronteira com a Síria.
Saleh tem uma cooperativa de salgadinhos que vende coxinhas, massa de pastel e quibes. A crise e a guerra abalaram a economia, e nos últimos meses ela sentiu o baque nos pedidos. Com tanta insegurança, as pessoas têm evitado compras não essenciais e não investem no país. “Está todo mundo esperando para ver o que vai acontecer, para decidir se ficam ou vão embora”, diz.
Mesmo no Beqaa, onde em tese há menos risco, Saleh conta que toma precauções. “A primeira coisa a se fazer nessas situações é ficar quieto. Só sair quando se tem necessidade.” Ela não pensa, porém, em voltar para São Paulo. Sonha em se mudar para Portugal.
Em meados deste ano, a Embaixada do Brasil em Beirute divulgou uma nota recomendando que seus cidadãos não visitem o Líbano e que, caso estejam no país, se ausentem –por meios próprios– até uma melhora do cenário. O Itamaraty também sugere evitar o sul do país ou outras zonas de fronteira, além de não se juntar a aglomerações e protestos.
DIOGO BERCITO / Folhapress