SÃO PAULO, SP, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Um ano depois que a ministra aposentada do STF (Supremo Tribunal Federal) Rosa Weber votou em favor da descriminalização do aborto até 12 semanas, a ação segue sem andamento. A corte está hoje sob a presidência de Luís Roberto Barroso, ministro que interrompeu o julgamento em setembro do ano passado, pouco antes de Rosa deixar o cargo.
Ele afirmou, em julho deste ano, no Brazil Forum UK 2024, no Reino Unido, que pediu destaque da ação porque o Brasil não sabe a diferença entre ser contra a interrupção da gravidez e colocar na cadeia uma mulher que opte por isso. O destaque tira o processo do plenário virtual e o leva ao debate presencial.
Barroso é favorável à descriminalização do aborto e já manifestou a posição em outras ocasiões no Supremo. Em 2016, ele relatou uma ação julgada pela 1ª turma da corte por unanimidade no sentido de que praticar aborto nos três primeiros meses de gestação não é crime. Rosa Weber integrava o colegiado, assim como Luiz Edson Fachin. O processo se referia a um caso concreto e não teve repercussões mais amplas.
Antes da aposentadoria de Rosa Weber, ela e Barroso concordaram com a dinâmica pensada para que ela deixasse o voto registrado e o colega interrompesse o julgamento. A ministra relatou o processo desde 2017, quando foi apresentado, chamou audiência pública, feita em 2018, e passou, segundo fontes do STF, anos estudando e trabalhando no voto para o caso.
Assim, ela queria se pronunciar na ação e a pautou para o plenário virtual. Na visão dela, na época, chamar a questão para o plenário presencial provocaria uma comoção indesejada. Como combinado, Barroso pediu destaque pouco depois do registro da então relatora. O presidente, no entanto, ainda avalia que pautar a matéria geraria agitação.
Barroso deixa a presidência do STF em setembro de 2025. Ele gostaria de pautar a ação antes da data. Mas tem duas avaliações para segurar o tema. De um lado, entende que a sociedade não está preparada, como vem dizendo publicamente. Por outro, que a corte não tem ainda aceitação ao tema e para manter a posição dada por Rosa Weber.
A ministra argumentou, no voto, que a fórmula restritiva sobre aborto que vigora hoje no Brasil não considera “a igual proteção dos direitos fundamentais das mulheres, dando prevalência absoluta à tutela da vida em potencial (feto)”.
A relatora levantou questões acerca da autonomia corporal, igualdade de gênero e o papel estatal na regulamentação de aspectos da vida reprodutiva. Ela criticou a criminalização do procedimento e destacou que essa perspectiva para lidar com problemas que envolvem o aborto não é a política estatal adequada.
Por ora, o STF rejeitou, de forma unânime, um pedido da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) para anular o voto da ministra Rosa Weber.
No Brasil, aborto só é permitido em três situações, estupro, risco de vida para a mulher e anencefalia do feto –autorização dada por decisão do STF em 2012. Em nenhum dos casos existe limite de tempo gestacional para a realização do procedimento.
À época, o voto de Weber foi um sopro de esperança na sociedade civil que se posiciona a favor da descriminalização. Um ano depois, além de não haver avanço no STF, o direito ao aborto sofreu ataques em diversas frentes.
Pouco tempo depois do voto de Weber, o Hospital Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte de São Paulo, teve o serviço de aborto legal fechado em dezembro de 2023 por determinação da prefeitura. Era o único do estado que fazia o procedimento em gestações acima de 22 semanas.
Os abortos feitos depois desse marco, chamados de tardios, costumam ser em crianças e adolescentes que não identificaram a gestação, ou vítimas de estupro e violência que não tiveram acesso ao sistema de saúde e justiça enquanto corria a gestação. Essas interrupções correspondem a cerca de um terço daquelas previstas em lei que ocorrem no Brasil.
O Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte de São Paulo, continua sem oferecer o procedimento, apesar de diversos pedidos da Justiça para a retomada.
No Brasil, apenas três hospitais fazem abortos acima de 22 semanas, usando um procedimento conhecido como assistolia fetal, que consiste na injeção de cloreto de potássio para interromper os batimentos cardíacos do feto antes da sua retirada do útero. É recomendada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para a interrupção de gestações avançadas.
Apesar de ser considerado padrão-ouro, o procedimento entrou na mira do CFM (Conselho Federal de Medicina) em abril deste ano. O conselho aprovou uma resolução, de autoria de Raphael Câmara, que proibia a realização de assistolias. Câmara, que é ex-secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), venceu as eleições do conselho em agosto e continua a representar o Rio de Janeiro no CFM.
Em 17 de maio, a norma acabou suspensa no STF por Alexandre de Moraes. O ministro afirmou que a suspensão não significa que o Supremo não deliberou sobre a constitucionalidade do aborto, mas sobre eventual desvio de competência e abuso de poder por parte do conselho médico.
Neste caso, também não há pressa para julgar, já que a decisão de Moraes está em vigor. O ministro levou a monocrática para referendo do plenário, e André Mendonça chegou a incluir voto contrário ao dele, mas Nunes Marques interrompeu a análise com pedido de destaque. Agora, a corte avalia que não é momento para discutir o tema, considerando o período eleitoral e o nível de controvérsia da matéria.
A resolução serviu de base para um projeto de lei apresentado em maio pelo deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). A proposição, que não foi tirada de pauta, prevê uma alteração no Código Penal de 1940. Se aprovada, fará com que mulheres vítimas de estupro que realizarem o aborto após a 22ª semana de gestação, quando a viabilidade fetal é presumida, tenham pena equiparada à reclusão prevista em caso de homicídio simples, que pode chegar a 20 anos. O projeto foi apelidado de PL Antiaborto por Estupro.
O projeto havia sido aprovado na Câmara com urgência e iria direto para o Plenário sem passar pelas comissões da Casa. Mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que uma “comissão representativa” seria criada para debater o tema no segundo semestre de 2024. Até o fechamento desta reportagem, a última atualização sobre o projeto era a aprovação de uma audiência pública, requerida pela deputada Chris Tonietto (PL-RJ), defensora da pauta antiaborto.
Uma pesquisa Datafolha feita em junho mostrou que 66% dos brasileiros são contrários ao PL. A reação ao projeto foi intensa. Uma série de protestos eclodiu em várias cidades sob mote de defesa de crianças estupradas.
O número de ações sobre aborto na Justiça cresceu neste ano.
BÁRBARA BLUM E ANA POMPEU / Folhapress