SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Eu sou pobre. Se eu tivesse dinheiro, já tinha resolvido tudo”, afirma Vilma Custódio dos Santos, 59, mãe do empacotador Rafael dos Santos Tercílio Garcia morto há exatamente um ano ao ser atingido por uma bean bag disparada por uma escopeta calibre 12 manuseada por um PM.
Embora um agente tenha sido apontado como responsável pelo disparo, a investigação até hoje não foi concluída e ninguém foi responsabilizado.
Surdo, ele foi atingido na parte de trás da cabeça conforme o laudo da perícia. Garcia, que tinha 32 anos, tinha saído de casa para assistir a final da Copa do Brasil entre São Paulo e Flamengo.
Torcedor do time paulista, ele não conseguiu entrar no MorumBis, na zona oeste da capital paulista. Por isso ficou em uma rua ao redor da arena.
Durante a comemoração do título inédito, houve uma confusão. PMs da cavalaria se deslocaram para o cruzamento das ruas Jules Rimet e Sérgio Paulo Freddi na tentativa de impedir que torcedores invadissem o estádio. Foi ali que Garcia foi atingido. Levado ao Hospital Municipal do Campo Limpo, na zona sul, não resistiu aos ferimentos e morreu.
A informação sobre o tipo de munição que atingiu o são-paulino foi revelada pela Folha, que teve acesso a imagens de dentro do hospital municipal do Campo Limpo, na zona sul.
A “bean bag” é de uso exclusivo da PM, que vem adquirindo a munição para uso junto das balas de borracha na tentativa de dispersão de tumultos. Ela é feita com um tecido sintético de aramida que encobre pequenas esferas de metal.
Entre as orientações que constam em um manual da PM é que se deve evitar tiros na cabeça. Os disparos também devem ocorrer em uma distância mínima a partir de seis metros. A recomendação não foi seguida, já que o material penetrou na cabeça de Garcia.
A investigação da PM, encerrada em dezembro, chegou ao responsável pelo tiro, dado pelo cabo da cavalaria Wesley Carvalho Dias da Silva, 31, indiciado sob suspeita de homicídio culposo (sem intenção).
O advogado do PM, João Carlos Campanini, discordou do entendimento dos responsáveis pela apuração. Em fevereiro ele disse para a Folha de S.Paulo que “o homicídio culposo é configurado por atos de negligência, imprudência ou imperícia no uso do armamento ou no procedimento policial, atos que em momento algum o cabo Wesley cometeu.”
Paralela à apuração da PM, ocorrer a investigação da Polícia Civil, tocada pelo DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa). Do dia 30 de outubro a 27 de agosto já foram cinco pedidos de prorrogação.
As duas investigações foram unificadas, e agora tudo está sob responsabilidade do DHPP. .
“Choro todo dia. Só vou ficar em paz quando o culpado for punido. É uma falta de respeito total”, disse a mãe de Garcia mulher em junho ao ser questionada sobre a demora.
O cabo Wesley Carvalho Dias da Silva foi ouvido pelos policiais civis no dia 9 de novembro do ano passado. Ele permaneceu em silêncio.
No dia 16 de novembro os delegados do DHPP encaminharam ofício à Polícia Militar em que pediam o envio da arma utilizada pelo cabo. Sem resposta, houve, em dezembro, a necessidade de um pedido formal ao Comandante da Corregedoria para que intercedesse. A escopeta calibre 12 só foi direcionada para a Polícia Civil em 5 de fevereiro.
No dia 19 de agosto o DHPP pediu rapidez para a Polícia Científica na entrega dos resultados de um laudo 3D. Na mesma data um perito pediu mais 15 dias para a conclusão, algo que não ocorreu no prazo.
“Em se tratando de investigação conduzida por delegacia especializada, surpreende a morosidade para conclusão do laudo pericial de reprodução simulada dos fatos, levantamento 3D. Já passou um ano do lamentável fato que vitimou Rafael e a família aguarda uma resposta definitiva e a aplicação das devidas responsabilidades”, disse o advogado Tiago Ziurkelis, que representa a família do morto.
Para o advogado, os protocolos para o uso da bean bag não foram seguidos. “Vamos aguardar a conclusão do levantamento 3D, para atribuir o grau da responsabilidade e a tipificação penal”, acrescentou.
Em nota, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) disse que os laudos periciais foram concluídos e estão sob análise do DHPP para conclusão do inquérito policial.
Sobre a lentidão, a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirmou que Inquérito Policial Militar foi concluído em dezembro de 2023 e encaminhado para a Justiça Militar, com o indiciamento do policial por homicídio culposo.
“O prazo inicial para a conclusão de um IPM é de 40 dias, podendo sofrer prorrogações caso haja a necessidade de produção de provas ou laudos mais complexos. Cada investigação, portanto, tem sua peculiaridade e dura o tempo necessário para o total esclarecimento dos fatos para que a devida responsabilização seja aplicada”.
PAULO EDUARDO DIAS / Folhapress