Levantamento aponta que 89 redes multiclubes investem em 270 times no mundo

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os aficionados por futebol tiveram de se acostumar ao longo dos últimos anos com uma presença crescente de investidores oriundos do mercado financeiro no meio esportivo, em um fenômeno que abriu caminho para o surgimento de novas potências mundiais, caso do Manchester City, e também para calotes e brigas na Justiça, como as envolvendo a 777 Partners e o carioca Vasco da Gama.

Em um cenário no qual a intersecção entre investidores e futebol tem ganhado cada vez mais relevância em escala global, um levantamento publicado nesta semana mostra que já há 270 clubes nos cinco continentes com suas participações negociadas junto a fundos internacionais, pulverizadas por uma rede composta por 89 grupos multiclubes.

O estudo partiu de dados compilados pela Uefa (União das Associações Europeias de Futebol) e pelo Cies (International Centre for Sports Studies) e foi organizado pelos pesquisadores Jonathan Ferreira e Irlan Simões, do Observatório Social do Futebol, um projeto de pesquisa vinculado ao Leme (Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte), da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

O trabalho resultou na publicação do Mapa das Redes Multiclubes do Futebol, uma plataforma online em que os autores adotaram filtros como o nível das ligas disputadas e o formato de participações dos investidores para fazer a seleção dos clubes e grupos mais relevantes da amostra –ao final, foram destacados no mapa um total de 56 redes, com participações diretas e indiretas em 178 clubes.

Por meio da ferramenta interativa, é possível visualizar nomes e escudos dos clubes e das respectivas redes a que estão vinculados, o tipo de participação e quem são os investidores e também aspectos relacionados à governança.

A maior rede no mapa é a do City Football Group, com 13 clubes, tendo como a coroa do portfólio o Manchester City, atual campeão inglês e da Champions League, que enfrenta um julgamento sem precedentes por eventuais violações financeiras cometidas nos últimos anos.

Bahia, atual sexto colocado do Campeonato Brasileiro, New York City, dos Estados Unidos, Mumbai City, da Índia, e Shenzhen Peng City, da China, também estão sob o guarda-chuva do conglomerado financeiro Abu Dhabi United Group, de propriedade do sheik Mansour Bin Zayed Al Nahyan.

Vem em seguida com 12 equipes o Arctos Sports, um fundo de “private equity” –que compra grandes participações em empresas geralmente sem ações negociadas em Bolsa– baseado nos Estados Unidos com participações no PSG (Paris Saint-Germain), no Liverpool e no Atalanta, e o Ares Management, com dez clubes, entre os quais o Atlético de Madrid e o Chelsea.

Mestre em Direito Internacional do Esporte e sócio do CCLA Advogados, Cristiano Caús diz que, diante do avanço do capital financeiro sobre os clubes de futebol, as entidades organizadoras de competições e as federações locais devem se atentar ao equilíbrio e a lisura das competições, com a adoção de medidas para combater a combinação de resultados, o doping financeiro e até mesmo a reserva de mercado.

“Há exemplos de plataformas multiclubes cujo objetivo principal é a divulgação de uma marca ou mesmo de um país, outras que buscam essencialmente a rentabilidade, mas também há aqueles projetos cujo foco seja o benefício esportivo, de fato”, afirma Caús, que trabalhou em 2003 na estruturação do Pão de Açúcar Esporte Clube, cuja filial carioca se chamava Sendas Esporte Clube –ambos foram posteriormente renomeados como Audax SP e Audax Rio, respectivamente.

Ferreira, pesquisador do Observatório, assinala que, ao mesmo tempo em que há clubes que vêm recebendo investimentos vultuosos e têm conseguido destaque, há também aqueles casos que não trouxeram os resultados esperados pela torcida, como o do Vasco da Gama.

Fora de campo, o clube carioca está há alguns meses em litígio com a 777 Partners por cláusulas contratuais que não teriam sido cumpridas pelo fundo. Dentro das quatro linhas, o time brigou contra o rebaixamento até as últimas rodadas do Brasileiro de 2023. “Têm aqueles clubes que se encontram em uma situação boa e os que amargam a negligência dos investidores”, diz Ferreira.

Em uma era de juros globais historicamente baixos, “a nova configuração do futebol demonstra a preocupação do capitalismo financeiro em diversificar seus investimentos, com os clubes tornando-se uma alternativa”, acrescenta o pesquisador.

Diretor da Roc Nation Sports no Brasil, empresa responsável pela administração da carreira de jogadores como Vinicius Junior, Endrick e Lucas Paquetá, Thiago Freitas afirma que, ao clube eventualmente alvo de um grupo de investidores, cabe precauções especialmente relacionadas às garantias de manutenção de aportes e destinação de percentual específico do orçamento, compatíveis com as exigências locais e pretensões de longo prazo da equipe.

“A profissionalização do negócio e a incorporação de práticas de outros setores que geram riqueza são positivas para o futebol, que só vai seguir popular se for um negócio rentável. Sua popularidade exige talentos cada vez mais não só no campo, mas em volta dele, e talento custa caro”, diz Freitas.

As 5 maiores redes multiclubes de futebol:

– City Football Group (13)

Al-Jazira Club (Emirados Árabes Unidos), EC Bahia (Brasil), Girona FC (Espanha), Lommel SK (Bélgica), Manchester City (Inglaterra), Melbourne City (Austrália), New York City (Estados Unidos), Montevideo City Torque (Uruguai), Mumbai City (Índia), Troyes (França), Palermo (Itália), Shenzhen Peng City (China) e Yokohama F. Marinos (Japão)

– Arctos Sports (12)

FC Augsburg (Alemanha), ADO Den Haag (Holanda), Brøndby IF (Dinamarca), Crystal Palace (Inglaterra), Estoril Praia (Portugal), Real Salt Lake City (Estados Unidos), Portland Timbers (Estados Unidos), Liverpool (Inglaterra), Paris Saint-Germain (França), Atalanta (Itália), AD Alcorcón (Espanha) e SK Beveren (Bélgica)

– Ares Management (10)

Atlético San Luis (México), RC Lens (França), Atlético de Madrid (Espanha), Olympique Lyonnais (França), Chelsea (Inglaterra), Atlético Ottawa (Canadá), Crystal Palace (Inglaterra), Botafogo (Brasil), RWD Molenbeek (Bélgica) e Inter Miami (Estados Unidos)

– Pacific Media Group / New City Capital (8)

Barnsley Football Club (Reino Unido), FC Kaiserslautern (Alemanha), AS Nancy Lorraine (França), Esbjerg fB (Dinamarca), FC Den Bosch (Holanda), FC Thun (Suíça), GKS Tychy (Polônia) e KV Oostende (Bélgica)

– Globalon Football Holdings (8)

Brøndby IF (Dinamarca), AD Alcorcón (Espanha), ADO Den Haag (Holanda), Crystal Palace (Inglaterra), FC Augsburg (Alemanha), Estoril Praia (Portugal), Real Salt Lake City (Estados Unidos) e SK Beveren (Bélgica)

LUCAS BOMBANA / Folhapress

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