WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Os bombardeios israelenses no Líbano, que já mataram mais de 600 pessoas desde segunda-feira (23), causam apreensão também em cidades brasileiras, como São Paulo e Rio de Janeiro. O Brasil, afinal, é lar da maior comunidade libanesa do mundo, e o Líbano, por sua vez, abriga o maior número de brasileiros no Oriente Médio.
Segundo o governo brasileiro, há cerca de 7 milhões de libaneses e descendentes no país. Historiadores afirmam, porém, que esse número pode estar inflacionado. Não há contagens confiáveis. Por outro lado, são 21 mil brasileiros no Líbano.
“Os libaneses estão em luto no Brasil”, afirma Lody Brais, presidente da Associação Cultural Brasil-Líbano. “Acompanhamos as notícias com atenção, enquanto tentamos entrar em contato com nossos parentes no país.”
Brais nasceu no país árabe e emigrou para o Brasil nos anos 1950. Teve uma atuação importante nas relações bilaterais. Pressionou as autoridades brasileiras, por exemplo, a se opor à ocupação israelense do sul do Líbano, iniciada em 1982.
Em 1989, diz ela, viajou a Washington para se reunir com funcionários do Departamento de Estado americano e falar da soberania libanesa. Além de Israel, a Síria ocupou o Líbano durante a guerra civil travada de 1975 a 1990.
Nos últimos dias, a reportagem ouviu membros das duas comunidades em cada país para entender como têm vivido a crescente tensão em uma terra que significa tanto para eles. Acompanham o desenrolar da crise pela imprensa, pelas redes sociais e, em especial, por grupos de mensagens como o WhatsApp.
Israel e Hezbollah têm trocado ataques desde o ano passado, desde que a facção libanesa demonstrou apoio ao Hamas pelos atentados terroristas de 7 de outubro de 2023. Os libaneses no Brasil, porém, dizem que suas famílias estão sendo punidas por algo que não fizeram. “Estamos revoltados”, afirma Brais. “É muita violência, muito terrorismo.”
A imigração libanesa para o Brasil começou nas últimas décadas do século 19, quando o Líbano ainda nem existia como país. Era parte do Império Otomano, que se esfacelou em 1922, como consequência da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Um dos impulsos para o êxodo foi a economia. O colapso do mercado da seda, que era a base dos negócios locais, levou à pobreza e à fome naqueles anos.
Um grande contingente desses imigrantes veio de localidades ao sul, como Marjayun e Hasbaya. São áreas sob controle do Hezbollah, o que significa que toda a região corre um risco maior –independentemente de ter relações com a milícia ou não.
Os libaneses instalaram-se em todo o Brasil. Apesar de concentrados em São Paulo e Rio de Janeiro, foram também para lugares como Belo Horizonte e Manaus.
Nas últimas décadas, os descendentes se destacaram na política, chegando aos degraus mais altos do poder. É o caso do ex-presidente Michel Temer, do ex-governador Paulo Maluf e do atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Também há expoentes em outros segmentos. Para citar o caso das artes plásticas, foi o descendente de libaneses Antônio Maluf (1926-2005) quem desenhou o cartaz da primeira Bienal de São Paulo, em 1951. A pintora concretista Judith Lauand (1922-2022) é outro exemplo.
A crise atual coincide com o que Brais esperava que fosse um momento de celebração. Ela organiza uma exposição de fotografias e documentos em homenagem aos 70 anos da visita do presidente Camille Chamoun (1900-1987) ao Brasil.
Chamoun foi presidente do Líbano de 1952 a 1958. No ano de sua visita, o governo brasileiro batizou a avenida República do Líbano, em São Paulo.
O evento vai ser realizado na capital paulista de 1º a 10 de outubro, no Clube Atlético Monte Líbano. Foi pensado como mais um exemplo da forte conexão entre os dois países.
Agora, porém, a comunidade libanesa olha mais para o futuro do que para o passado, enquanto vê milhares deixarem suas casas nestes dias, na expectativa de novos bombardeios –e de uma crescente incerteza.
DIOGO BERCITO / Folhapress