Uso excessivo de telas na infância tem contribuído para aumentar casos de miopia em crianças

Rosa Maria Graziano alerta para o fato de que uma visão prejudicada, ainda mais no caso das crianças, pode afetar as mais diferentes áreas da vida

Principalmente após a pandemia, computadores, celulares e televisões passaram a ser parte integral da vida das crianças | Foto: Freepik

O vício em telas – seja, celular, computador ou tablet – é uma preocupação que vem crescendo. E se já era um problema acelerado antes de 2020, depois da pandemia o vício explodiu. A OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda que crianças de até 5 anos de idade não devem passar mais de uma hora por dia em atividades passivas diante de uma tela de smartphone, computador ou TV. Mas a realidade é que somente 1/3 das crianças entre 2 e 5 anos efetivamente cumprem os tempos máximos diários sugeridos. Para as de menos de 2 anos a situação ainda é pior: menos de 1/4 segue a indicação.

A idade em que os olhos se formam completamente é indeterminada, mas é fato que ao menos os primeiros anos de vida são cruciais para a formação. Rosa Maria Graziano, médica oftalmologista da Faculdade de Medicina da USP, explica: “Nos primeiros cinco anos de vida, o olho cresce muito. Em compensação, a córnea e o cristalino, que são mais curvos, precisam aplanar. Então, existe uma quantidade importante de modificação na refração das crianças nesses primeiros anos”.

Dentro da córnea há um músculo, chamado de ciliar, que tem a função de focar em objetos próximos. Ao olharmos para longe ou sem foco, o músculo está relaxado. Já quando focamos em um objeto próximo, o músculo ciliar faz o esforço para ajustar a visão. “Quando você usa a visão de perto, você faz com que o cristalino precise mudar de grau, e ele precisa, para isso, que exista um músculo ciliar fazendo um movimento, um esforço acomodativo, para que a imagem fique focada”, diz Rosa Maria. Na prática, não há diferença entre usar telas e fazer outras atividades com o foco próximo dos olhos, como ler um livro ou escrever.

O problema é que, enquanto na época de infância sem o uso excessivo de telas as crianças saíam ao ar livre e intercalavam atividades em que o olhar era exigido na proximidade e na distância, hoje a situação já não é a mesma. Com o olho ainda em formação, superestimular o cristalino e o músculo ciliar pode trazer complicações posteriores. A consequência costuma ser a miopia, condição em que o foco em objetos distantes é prejudicado.

Consequências práticas

Principalmente após a pandemia, computadores, celulares e televisões passaram a ser parte integral da vida das crianças; mesmo o horário escolar passou a ser mediado por telas. A consequência foi um salto abrupto da miopia em crianças: segundo um estudo da Associação Médica Americana, o crescimento do diagnóstico de miopia entre crianças de 6 anos foi de 28,8% em 2020 e de 36,2% em 2021.

A importância em se atentar para isso vai muito além de apenas enxergar com qualidade. Uma visão prejudicada, ainda mais no caso das crianças, pode afetar as mais diferentes áreas da vida. A oftalmologista comenta um caso que ela experienciou em clínica: “Eu já recebi crianças tratadas como tendo TDAH, sendo até tratadas com ritalina, e, na verdade, ela tinha um alto grau de miopia, e por isso ela cansava [de se concentrar na atividade]. Antes de ela ter dor de cabeça, dor no olho, ela parava de fazer”.

Nem só as crianças são afetadas pelas telas. Apesar de não sofrerem com a variação de grau como sofrem as crianças, pois já têm o olho mais formado, os adultos não passam imunes à tendência de viver com os olhos vidrados em algo. Seja qual for a idade, passar períodos ininterruptos de foco em algo muito próximo faz com que o corpo se desgaste. “O músculo que faz a movimentação do cristalino para a visão de perto é tão músculo como o músculo da perna, o músculo do braço: ele também cansa. Esse é um dos motivos para que a pessoa que trabalha com computador o tempo todo, no fim do dia, acabe com cansaço visual maior do que se ela tivesse feito períodos de descanso”, explica Rosa Maria.

Além disso, ela afirma que nosso corpo instintivamente adapta os olhos para piscarem menos quando há um foco direcionado. Quando a visão está relaxada, “você pisca ao redor de 15, 16 vezes por minuto, e isso lubrifica sua córnea. Quando você está fixando o objeto para ler ou para olhar uma tela, sempre que você está fixando a visão, o cérebro pede para você não piscar. Automaticamente, você diminui o número de piscar para cinco, seis vezes por minuto”. As consequências são olhos avermelhados e irritados ao fim do dia.

O que fazer

No caso das crianças, a médica oftalmologista recomenda que haja um acompanhamento periódico nos anos ímpares: aos 1, 3, 5 e 7 anos de idade. Caso as condições de serviço de saúde ou financeira impossibilitem isso, ela pede que ao menos se faça um exame aos 5 anos. Se a criança der sinais de hiperatividade, distração, dificuldade de concluir atividades ou cansaço mental, uma ida ao oftalmologista é recomendada a qualquer idade.

No caso mais geral, tanto para crianças quanto para adultos é indicado que haja intervalos de descanso para os olhos em meio ao trabalho focado no computador ou nos papéis. O ideal, segundo a Sociedade Americana de Oftalmologia, é fazer pausas de 1 minuto a cada 20 minutos. Mas Rosa Maria diz que, para conciliar com o possível, uma ida ao banheiro, beber uma água ou qualquer ação que possibilite que os olhos se fechem e relaxem momentaneamente a cada uma hora já é muito melhor do que nada.

**Texto por Jornal da USP 

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