SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Emmy deu uma alfinetada nada discreta em Lorne Michaels, produtor e criador do Saturday Night Live, o SNL, na cerimônia de duas semanas atrás, quando quatro integrantes do programa Kristen Wiig, Maya Rudolph, Seth Meyers e Bowen Yang brincaram no palco com o histórico de derrotas do humorístico no evento.
“Você nunca foi um perdedor, ainda que tenha perdido bastante”, disse Wiig, pouco depois de o quarteto informar que SNL perdeu 85 vezes o Emmy. A graça da cena, no caso, era que a produção já venceu o prêmio em 101 ocasiões só Michaels tem 21 estatuetas em casa.
A confusão tocou em um assunto delicado. O programa estreia neste sábado (28) a sua 50ª temporada entre a queda de audiência, o elenco em baixa e a cena delicada das eleições americanas. Não ajudou a derrota no Emmy, que deu o prêmio de melhor programa de variedades para o Last Week Tonight, de John Oliver. Programas de auditório como este, aliás, ganharam força, com seus monólogos ácidos, em geral sobre o noticiário político, dominando as redes sociais.
Ao mesmo tempo, crise a essa altura já é uma característica do programa, que há décadas mantém a fama de ser o humorístico mais influente do país. O programa de 90 minutos, que acontece ao vivo do Studio 8H, em Nova York, desde outubro de 1975, pariu gerações de comediantes. Sem ele, nomes como Adam Sandler, Eddie Murphy, Chevy Chase, Will Ferrell e Tina Fey não existiriam na cultura pop.
Mas o elenco da nova temporada está distante da prataria histórica da casa, o que ficou evidente no 49° ano. A última safra foi a primeira do time atual sem Pete Davidson e Kate McKinnon, sucessos mais recentes. Hoje, o programa é liderado por Colin Jost, Michael Che e Bowen Yang.
Jost e Che tocam o “Weekend Update”, quadro de jornalismo tradicional do humorístico, sem grande inspiração. Yang, enquanto isso, sofre para achar outro personagem divertido após sua paródia do ex-deputado George Santos.
A ausência de grandes nomes pesa diante do histórico do SNL. Mesmo os anos mais críticos da produção, na década de 1980, tiveram nomes como Robert Downey Jr., Julia Louis-Dreyfus e o roteirista Larry David. Enquanto o primeiro é hoje o único membro do elenco a vencer um Oscar, os dois últimos refundaram a TV na década seguinte com a série “Seinfeld”.
Nas mãos de Lorne Michaels, o SNL redefiniu os programas noturnos americanos e foi, por anos, o único a abordar temas difíceis de forma bem-humorada e sem rigidez. Os esquetes tratavam de assuntos como o Watergate e a Guerra do Vietnã e desfaziam tabus históricos, em especial sobre sexo.
A reputação se estende por todas as décadas do show, que superou momentos frágeis do país. Em 2001, um mês depois do 11 de Setembro, Michaels abriu a temporada homenageando o então prefeito de Nova York, Rudy Giuliani, e o corpo de bombeiros da cidade. No palco, o político deu aval para que o SNL continuasse irreverente, amparado à época em nomes como Amy Poehler e Jimmy Fallon.
A força do programa explica também a atração dos famosos pelo posto de mestre de cerimônias. O humorístico catapultou bons apresentadores, que nos melhores casos se confundiram com a história do seriado.
O comediante Steve Martin, por exemplo, nunca fez parte do SNL, mas as 16 participações que fez como aprsentador definiram a sua carreira. Morgan Neville, diretor do documentário “Steve!”, afirma que o programa mudou a trajetória do artista.
“Ele era ótimo para o show, e o show era ótimo para ele”, diz o cineasta. “Quando participou pela primeira vez, em 1976, a carreira dele explodiu. Muitas pessoas acham que ele era da série, porque aparecia muito lá.”
A importância histórica ainda conta muito a favor do SNL. Nick Marx, professor da Universidade do Colorado e um dos autores do livro de ensaios “Saturday Night Live & American TV”, sem tradução para o português, este ainda é o programa de comédia mais importante do país.
Marx atribui os desafios do SNL com o elenco a um problema geral do entretenimento, que tem canais demais. “O público está muito dividido para se reunir em torno de uma celebridade, programa ou assunto”, ele diz. “Dependendo do espectador, o show está em crise desde que o elenco original o deixou em 1980.”
Se o SNL senta a falta de talento interno, o programa continua a fazer esquetes de sucesso com os apresentadores. A temporada passada, por exemplo, teve dois grandes momentos. No primeiro, Pete Davidson emplacou a canção “Im Just Pete” paródia do sucesso “Im Just Ken”, do filme “Barbie” como apresentador da estreia.
O outro hit aconteceu em abril, em uma cena em que Ryan Gosling e o comediante Mikey Day viveram versões dos personagens Beavis e Butt-Head. A piada viralizou nas redes sociais e ajudou o episódio a ter a melhor audiência do programa em dois anos.
Mas o sucesso pontual disfarça os números em baixa. Em maio, a Nielsen apontou que o 49° ano teve média de 7,2 milhões de espectadores por episódio, 3% acima do desempenho da safra anterior. Mesmo assim, o valor ficou longe dos 9 milhões da temporada feita entre 2020 e 2021, ano eleitoral nos Estados Unidos.
Por isso, a expectativa com a nova temporada é alta, graças ao clima quente do noticiário. Em julho, quando o presidente Joe Biden desistiu da reeleição, as redes sociais fizeram piada sobre a volta de Maya Rudolph à série para viver a vice-presidente Kamala Harris. A escalação foi confirmada pela produção no mesmo mês.
A política americana é um tema importante na história da produção. O humorístico se dedica ao pleito do Executivo desde a vitória acirrada de George W. Bush sobre Al Gore em 2000, quando Will Ferrell fazia uma versão abobalhada do republicano.
O investimento de Lorne Michaels no noticiário aumentou tanto que o programa virou peça do xadrez político. O auge foi em 2008, quando os então pré-candidatos Barack Obama, John McCain e Sarah Palin participaram de esquetes. Em 2015, Donald Trump apresentou um episódio no pleito à candidatura republicana, o que dividiu o público.
“Eles sempre brincaram com os dois lados”, afirma Nick Marx. “Mesmo que a maioria das piadas seja contra Trump nos últimos anos, Michaels ainda entende o valor de uma celebridade, e por isso ele continua a convidar candidatos republicanos.”
Apesar do entusiasmo político, a nova temporada deve se centrar no aniversário de 50 anos do programa. Ao portal de notícias americano The Hollywood Reporter, o criador disse que os episódios trarão gente que ama o SNL, em participações especiais fora da seleção do apresentador.
O line-up dos primeiros cinco episódios reflete esse desejo do produtor. O SNL recomeça com apresentação de Jean Smart, comediante badalada pelo Emmy de “Hacks”, e música do cantor Jelly Roll. A fila segue com os humoristas Nate Bargatze e John Mulaney, a cantora Ariana Grande e o ator Michael Keaton. Os nomes mais explosivos ficarão para depois.
Enquanto o SNL busca uma nova forma, ele é assunto do momento em Hollywood, que aposta na nostalgia com o humorístico. A Mostra de Cinema de São Paulo exibe este ano o filme “Saturday Night”, que reconta os eventos da estreia do programa. O mercado aguarda também uma cinebiografia de Chris Farley, humorista que marcou o show nos anos 1990.
As movimentações em torno do programa explicam porque Michaels decidiu adiar a sua aposentadoria. Em 2020, ele ameaçou uma saída, dizendo que deixaria o comando ao fim do ano 50. Mas ele voltou atrás na semana passada. “Este é o tipo de coisa que quero fazer e, enquanto puder, vou continuar”, disse ao The Hollywood Reporter.
O SNL já existiu sem Michaels, com o executivo Dick Ebersol na posição de 1980 a 1985 época em que Eddie Murphy estava no elenco. No começo do ano, rumores apontaram Tina Fey como candidata a sucessora, apoiada por Michaels.
Fato é que o SNL também sabe se despedir com bom humor de seus grandes nomes. Em 1995, o último esquete de Chris Farley e Adam Sandler no elenco mostrou os dois comediantes morrendo pelas mãos de um urso polar. O público só aguarda uma piada à altura quando a hora chegar para o seu criador.
SATURDAY NIGHT LIVE (50ª TEMPORADA)
– Quando Estreia sáb. (28), 0h30, novos episódios aos sábados
– Onde Disponível no Universal+;
– Classificação 12 anos
– Produção EUA, 2024
– Criação Lorne Michaels
PEDRO STRAZZA / Folhapress