SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma tecnologia que usa os próprios mosquitos para disseminar larvicidas foi capaz de reduzir em 29% a incidência da dengue em bairros de Belo Horizonte (MG) onde a estratégia foi adotada. Regiões vizinhas também tiveram queda de 21% de casos da doença.
Os resultados são de um projeto desenvolvido por institutos da Fiocruz Amazônia e da Fiocruz Minas, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde da capital mineira, e foram publicados em um estudo na revista The Lancet Infectious Diseases.
O projeto envolveu a distribuição de 2.481 estações disseminadoras de larvicidas (EDLs) em nove bairros de Belo Horizonte ao longo de dois anos (de novembro de 2017 a dezembro de 2019).
Nove bairros adjacentes foram designados como “área tampão” e os 258 bairros restantes da cidade como área de controle.
Com base nos registros oficiais de notificação de dengue divididos por semana e bairro, foi estimado o efeito da intervenção na incidência da doença, que variou de 0 a 379,5 casos por 10 mil moradores, com surtos epidêmicos registrados em 2016 e 2019.
A partir da queda dos casos de dengue nos bairros estudados, os pesquisadores estimam que, em um cenário de um surto de 100 mil casos, os gestores de saúde podem esperar que a estratégia reduza a pressão sobre o sistema de saúde em ao menos 29 mil casos sintomáticos de dengue.
Apesar dos bons resultados, Belo Horizonte não está utilizando atualmente as EDLs. Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde informou o período de permanência das estações na capital foi determinado pela Fiocruz. “A partir dos resultados da pesquisa, Belo Horizonte articula, junto ao Ministério da Saúde, a viabilidade para dar continuidade ao uso desta ferramenta na capital”,
O estudo na capital mineira foi o primeiro a medir o impacto dessa intervenção no cenário epidemiológico, segundo o pesquisador da Fiocruz Sérgio Luz, coordenador do núcleo de patógenos, reservatórios e vetores na Amazônia e responsável pela pesquisa.
Ele afirma que outros estudos já haviam atestado a eficácia da técnica em 14 cidades brasileiras, de diferentes regiões, entre elas Brasília, Manaus, Fortaleza, Goiânia e Natal.
As EDLs são dispositivos simples, compostos por recipientes com dois litros de água parada com o larvicida piriproxifeno. O produto atrai as fêmeas do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, para que depositem seus ovos. A substância fica impregnada num tecido sintético que recobre o pote.
O larvicida adere ao corpo das fêmeas. Assim, elas mesmas acabam transportando o produto para outros criadouros, contaminando-os. Isso interrompe o ciclo de vida do mosquito, afetando os ovos e larvas em diferentes locais.
Isso ocorre porque o larvicida chega a criadouros que muitas vezes não são atingidos pelas ações tradicionais de controle, por exemplo, prédios fechados, terrenos baldios ou lugares muito pequenos.
De acordo com o estudo, o fato de a incidência de dengue também ter diminuído nos bairros contíguos aos da intervenção sugere que os mosquitos disseminaram o larvicida para além dos limites da área de instalação de EDLs .
Essa mobilidade dos vetores também significa que provavelmente houve entrada de mosquitos de bairros não tratados para a área de intervenção, reduzindo em alguma medida o efeito das EDLs.
Os pesquisadores planejam agora replicar os ensaios de campo em outras cidades e avaliam também a possibilidade de usar a tecnologia das EDLs com larvicidas alternativos. Isso é importante porque pode haver eventual aparição de vetores resistentes à substância atualmente usada.
Segundo Sérgio Luz, foram desenvolvidas ainda EDLs mais práticas e mais fáceis de serem usadas. “As estações com as quais que vínhamos trabalhando eram muito artesanais e aumentavam a carga de trabalho dos agentes de endemias.”
Ele diz que os estudos indicam que os resultados dessas novas estações são semelhantes às anteriores. “A gente espera que, com isso, essa estratégia ganhe uma escala maior.” O custo de cada estação disseminadora tradicional é estimado em R$ 10 cada. O preço das novas ainda não foi definido.
No ano passado, a Folha revelou que a Prefeitura de São Paulo gastou R$ 400 por unidade de uma armadilha contra o Aedes aegypti, similar às EDLs desenvolvidas pela Fiocruz e que não têm patente.
Em abril deste ano, o Ministério Público de São Paulo instaurou um inquérito civil para apurar suposto ato de improbidade administrativa praticado pela prefeitura na compra dessas armadilhas.
No dia 18 deste mês, o Ministério da Saúde lançou um plano de ação para redução dos impactos das arboviroses. Entre as medidas, está a expansão do uso das EDLs para controle da dengue nas periferias brasileiras.
Segundo a pasta, em um primeiro momento, 17 municípios de todas as regiões do país vão receber as armadilhas. Para Sérgio Luz, é crucial que os gestores municipais planejem e organizem de forma correta a operação com as EDLs.
“Precisa escolher as áreas certas para a distribuição. O trabalho bem executado pelas equipes é o ponto-chave para que esse instrumento dê resultados.”
O Ministério da Saúde também expandiu o método Wolbachia, uma bactéria que impede que os vírus da dengue, zika, chikungunya e febre amarela se desenvolvam, contribuindo para redução das doenças.
O Brasil fechou o ano de 2023 com um recorde de mortes por dengue, com 1.094 vidas perdidas, segundo dados do Ministério da Saúde. Os dados foram extraídos do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação).
Além disso, o país viveu no primeiro semestre de 2024 uma explosão de casos. Foram 6,1 milhões de casos prováveis da doença e um total de 4.200 mortos.
Esse projeto é uma parceria com a Umane, associação que apoia iniciativas no âmbito da saúde pública.
CLÁUDIA COLLUCCI / Folhapress