SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Ele cumpriu a pena determinada, ou parte dela a que foi obrigado, portanto, não vejo nenhum impedimento. Ele me baleou duas vezes, mas, segundo a Justiça, pagou por este e outros crimes, disse o engenheiro químico Antonio José de Carvalho Amaral Martins, 65, um dia depois da divulgação da liberdade de Mateus da Costa Meira.
Martins é uma das quatro pessoas que ficaram feridas no ataque em 3 de novembro de 1999 em uma sala de cinema do Morumbi Shopping, na zona sul de São Paulo. Outras três morreram com os tiros de uma submetralhadora.
Como a Folha de S.Paulo mostrou, o atirador ficou 25 anos preso, cumprindo medida de segurança, e deixou a prisão na última semana. Martins disse que não sabia da soltura até ter sido avisado pela reportagem nesta sexta-feira (27).
Os destinos de Martins e de Meira se encontraram naquela quarta-feira. Martins foi atingido duas vezes -uma das balas acertou seu testículo, a outra, a perna esquerda. “O projétil que atingiu meu testículo direito, parcial, na verdade, provocou o equivalente a uma vasectomia unilateral”, conta. “Já o projétil da perna esquerda, pouco me afetou, apenas virou um ‘termômetro do tempo’ para mim.”
Àquela altura, o homem recém-casado teve que aguardar para ter filhos, que vieram após um tratamento de fertilização anos depois. A então esposa de Martins, hoje divorciado, estava ao lado dele na sala em que era exibido o filme “Clube da Luta”. Ela não foi atingida.
“Eu vejo tudo com muito bons olhos, pois entendo que a consequência disso tudo foi eu ter tido meus filhos gêmeos, após o tratamento de fertilização”, acrescentou Martins. Os adolescentes, uma menina e um menino, têm 14 anos.
Martins diz não ter trauma daquele dia e que continua a frequentar salas de cinema. “Vou ao cinema regularmente. Apenas no período logo após o ocorrido que tive receios e temores. Mas tudo isto já passou”, afirma.
O processo de execução da pena corre em segredo de Justiça, mas a Folha de S.Paulo teve acesso à decisão que determinou a desinternação de Meira, que cumpria pena no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Salvador. A medida foi publicada em 18 de setembro.
O advogado Vivaldo Amaral, responsável pela defesa de Meira, disse que não iria se manifestar e não confirmou nem negou a soltura de seu cliente. Mas a reportagem apurou com duas outras pessoas que Meira já deixou o Hospital de Custódia.
O ATAQUE
O então estudante de medicina Mateus da Costa Meira tinha 24 anos. Ele deixou a sessão no meio do filme para seguir ao banheiro. Depois, tirou uma submetralhadora de uma sacola.
Ao retornar para a sala de cinema, ele disparou dezenas de tiros nos demais espectadores. Dominado por seguranças, ele foi detido e levado ao Distrito Policial.
Julgado em 2004, Meira foi condenado a 120 anos e seis meses de prisão pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Três anos depois, a pena foi reduzida para 48 anos e nove meses.
Na decisão que determinou a soltura, a Justiça citou as novas diretrizes da política antimanicomial que apontam que a internação é providência excepcional, admissível apenas quando os recursos extra hospitalares forem insuficientes.
Destacou ainda que os peritos do Hospital de Custódia e Tratamento concluíram que Meira tinha condições de retornar ao convívio social e familiar, devendo prosseguir com o tratamento em rede privada vinculada ao seu plano de saúde.
A decisão determina a desinternação pelo prazo de um ano, com condicionantes de seguir tratamento extra-hospitalar em rede privada vinculada ao seu plano de saúde, manter bom relacionamento com amigos, familiares e estranhos e permanecer em recolhimento domiciliar noturno.
Ele também não poderá portar armas, ingerir bebidas alcoólicas, consumir drogas ilícitas ou frequentar bares, casas de jogos e festas populares.
Mateus da Costa Meira cumpria pena no sistema prisional da Bahia. Em 2009, ele foi acusado de tentar matar com golpes de tesoura seu companheiro de cela, o espanhol Francisco Vidal Lopes.
Dois anos depois, por decisão da 1ª Vara do Tribunal do Júri de Salvador, Mateus foi considerado inimputável (que não pode ser considerado responsável pelos atos) após solicitação da defesa e da Promotoria. A decisão foi baseada em laudo que apontou que ele tinha esquizofrenia.
Em 2019, Meira foi submetido a uma nova bateria de exames médicos e psicológicos que constataram que ele não apresentava alterações no comportamento que indicassem periculosidade. Na época, o Ministério Público do Estado da Bahia solicitou que os exames fossem refeitos para ter maior certeza dos resultados.
PAULO EDUARDO DIAS / Folhapress