BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A proposta de autoridade climática, anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) há duas semanas, é alvo de divergência entre a Casa Civil de Rui Costa e o Meio Ambiente de Marina Silva, o que pode atrasar ainda mais a criação do cargo, uma promessa feita desde a campanha eleitoral.
Integrantes de cinco ministérios, inclusive no Palácio do Planalto, veem uma disputa entre os dois ministros sobre o tema.
A Casa Civil enxergou na proposta enviada pelo Ministério do Meio Ambiente uma série de fragilidades, que vão exigir uma análise mais detalhada e um trabalho técnico prolongado para tentar tirar a iniciativa do papel. Eles citam, por exemplo, que não há sequer um modelo em outro país em que possam se espelhar e que a proposta será modelada do zero.
Aliados da Marina, incluindo outros ministros, apontam, porém, que a equipe de Rui Costa está descrevendo como falhas pontos que ainda seriam passíveis de discussão, com o objetivo de tentar retardar ou mesmo enterrar a medida. Para eles, a Casa Civil tem outras prioridades e está não é uma delas.
Rui Costa e Marina Silva estiveram juntos nesta quinta-feira (26) no Planalto, para uma reunião virtual com o governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil). Ambos chegaram a falar sobre agendar um despacho com Lula para tratar da criação da autoridade climática.
Há cerca de 15 dias, em meio a um cenário de queimadas e seca nos rios da amazônia, o presidente voltou a prometer a criação de uma autoridade climática no país durante reunião com prefeitos em Manaus.
Não houve indicação de metas ou prazos para a criação do órgão, que foi uma de suas promessas de campanha nas eleições de 2022 e determinante para o apoio de Marina a sua candidatura.
O anúncio aconteceu pouco tempo depois de uma conversa entre Lula e a titular do Meio Ambiente durante um voo para visitar Tefé (AM) e outras áreas com seca severa na região Norte.
Alguns integrantes do governo Lula, sobretudo na Casa Civil, avaliam que a ministra aproveitou o momento de comoção com as queimadas e a necessidade de o Planalto apresentar soluções para avançar com uma agenda que enfrentava resistência dentro do governo.
Também apontam que não houve despachos entre ministros ligados ao tema, em tempos recentes, para discutir a viabilidade da medida e estruturar uma proposta minimamente, para que o anúncio trouxesse alguns pontos mais concretos.
A leitura na pasta de Rui Costa é que dificilmente se derruba uma medida que já foi anunciada pelo próprio presidente. No entanto, dizem que a proposta chegou à Casa Civil com falhas e itens que nunca teriam sido discutidos no governo, por isso precisaria haver uma ampla análise e adaptação de diversos pontos, em um processo que deve se arrastar.
Interlocutores na Casa Civil criticam ainda o fato de o Ministério do Meio Ambiente ter apresentado no primeiro semestre uma proposta diferente de autoridade climática, quando todas as atenções do governo estavam voltadas para a calamidade causadas pelas chuvas no Rio Grande do Sul.
Essa proposta anterior, afirmam, chegou ao Planalto apenas em uma apresentação de PowerPoint, sem nenhuma minuta que detalhasse o modelo, dizem os interlocutores.
Após o anúncio do presidente, uma nova proposta foi encaminhada em 19 de setembro, com alterações substanciais em relação à apresentação anterior, o que irritou a equipe de Rui.
A proposta anterior, dizem, estava centrada nas chamadas “ações de adaptação às mudanças climáticas”, para prevenir desastres provocados pelos efeitos do clima. Essa função está mais relacionada com a atuação da Defesa Civil, por exemplo.
Já a proposta mais recente, argumentam, inclui as atribuições de adaptação às mudanças climáticas mas também outras de mitigação de gases de efeito estufa, aumentando bastante o escopo do órgão.
Como isso incluiria a definição e o monitoramento de metas de redução de emissões, as ações não seriam exclusivamente ambientais e demandariam trabalho conjunto com setores econômicos.
Por outro lado, a postura da Casa Civil é vista por alguns integrantes do governo como forma de protelar a discussão e assim esperar que a pressão decorrente das queimadas diminua. Esse cenário considera a perspectiva de chuvas nas próximas semanas em algumas das áreas que sofrem atualmente com a seca severa.
O chefe da Casa Civil externou em entrevista ao jornal O Globo críticas ao modo de atuação do Ministério do Meio Ambiente, acrescentando que até poucos dias atrás apenas tinha um PowerPoint como o registro mais completo da proposta da autoridade climática.
Marina Silva evitou um confronto direto. Mas seus aliados, em outros ministérios, passaram a criticar a Casa Civil por usar largamente nos bastidores a história do PowerPoint. Um interlocutor no Palácio do Planalto rebate essa visão e disse ter tido acesso a outros documentos, como minutas e notas técnicas produzidas pelo Ministério do Meio Ambiente.
Aliados de Marina argumentam que os ataques à proposta e à própria ministra são consequência do fato de Lula ter respaldado a criação da autoridade climática sem consultar a Casa Civil.
Refutam a tese de que o Meio Ambiente tenha mudado diversas vezes a proposta. Explicam que a última versão é “turbinada”, por conter os princípios da autoridade climática que constavam na versão de 2023 com as novas contribuições, surgidas após as inundações no Sul e a seca severa em várias regiões
A disputa também envolve qual órgão do governo vai acabar abrigando a estrutura. A proposta do Meio Ambiente prevê que ela fique sob sua responsabilidade. A Casa Civil, por sua vez, defende que deva ficar na Presidência, para manter uma transversalidade na atuação.
Alguns membros do governo apontam que a disputa também tem como pano de fundo a presidência da COP30, conferência da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre mudanças climáticas que será realizada no próximo ano em Belém.
A disputa com Rui e as críticas da base aliada a Marina sobre o enfrentamento das queimadas, inclusive por parte do PT, teriam como objetivo enfraquecer o pleito da ministra de emplacar na presidência da cúpula a secretária de Mudança do Clima, Ana Toni.
RENATO MACHADO E MARIANNA HOLANDA / Folhapress