Terras indígenas e grandes fazendas concentram mais da metade da área queimada neste ano, diz estudo

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mais da metade das terras que queimaram no Brasil de janeiro a agosto ficam em territórios indígenas e grandes propriedades rurais. Foram atingidos 5,9 milhões de hectares nessas áreas, enquanto no país como um todo queimaram 11,3 milhões de hectares.

O levantamento consta em nota técnica elaborada pelo Ipam (Instituto de Pesquisa da Amazônia), divulgada nesta sexta-feira (27).

Na comparação com o mesmo período de 2023, quando as chamas atingiram 5,2 milhões de hectares, a área afetada pelo fogo no Brasil mais do que dobrou.

A categoria que mais queimou foi a das terras indígenas, com mais de 3 milhões de hectares impactados pelo fogo. O número representa um salto em comparação com a média histórica dos últimos cinco anos, que ficou em torno de 1,7 milhão de hectares.

“Normalmente, as terras indígenas têm uma extensão queimada grande, porque são áreas grandes também. Mas neste ano houve um aumento de 81% de área queimada em relação ao ano passado”, diz Ane Alencar, diretora de ciência do Ipam e uma das autoras do estudo.

Ela afirma que a explicação para isso passa por diferentes fatores, com destaque para a seca extrema, que deixa a paisagem mais inflamável num lugar que normalmente é muito mais remoto e difícil de se chegar para combater as chamas.

“Também sabemos que as terras indígenas estão sendo pressionadas por várias frentes, como invasão de áreas e atividades ilícitas. Além disso, principalmente no cerrado, elas são rodeadas de propriedades e, às vezes, se essas propriedades também não controlam o fogo, esse fogo escapa e acaba entrando nessas áreas”, acrescenta.

Em menor grau, também há o uso tradicional do fogo feito pelos próprios povos indígenas (no roçado, por exemplo), que pode acabar saindo do controle devido às condições climáticas, cita a pesquisadora.

No caso das grandes propriedades, foram mais de 2,8 milhões de hectares atingidos pelas chamas até agosto. Recebem essa classificação imóveis rurais com mais de 15 módulos fiscais (cada módulo pode ter de 5 a 110 hectares, a depender do município). São classificados como imóveis rurais pequenos aqueles com até 4 módulos fiscais, e médios, os de 4 a 15 módulos.

Somados, os três tipos de imóveis rurais tiveram uma área queimada de 4,4 milhões de hectares. Segundo o Ipam, os números refletem um aumento significativo do uso do fogo em grandes propriedades, possivelmente ligado a práticas agropecuárias, tanto para expansão de áreas quanto para manejo produtivo.

“São áreas muito grandes, que tem uma vegetação mais aberta, como no pantanal. Numa condição de clima mais favorável [ao fogo], é muito difícil conseguir controlar o fogo a contento logo que ele inicia”, afirma a Alencar, ressaltando que a capacidade de resposta, na proporção e na velocidade que esses incêndios demandam, são uma lacuna importante.

O maior aumento percentual, de 176%, se deu em florestas públicas não destinadas -ou seja, áreas de vegetação nativa que não receberam uma designação para um uso específico, como conservação ou enquadramento como território tradicional.

Nos primeiros oito meses do ano passado, foram 315 mil hectares queimados nessa categoria fundiária, número que subiu para 870 mil em 2024, quase exclusivamente na amazônia. É o índice mais alto para o período desde 2019, quando começa a série histórica do instituto.

“A ausência de destinação e gestão eficaz torna essas áreas florestais mais suscetíveis a invasões, grilagem e desmatamento ilegal que resultam em incêndios”, diz o relatório do Ipam.

A análise mostra que o perfil do fogo varia de acordo com o bioma. Segundo Alencar, amazônia e cerrado (que respondem por 83% da área queimada no Brasil) sofrem principalmente com o manejo de pastagens e abertura de novas áreas de produção, que muitas vezes ocupam áreas de vegetação nativa.

“Na amazônia, o desmatamento e a expansão agropecuária impulsionam um ciclo de queimadas. No cerrado e pantanal, o uso do fogo está muitas vezes ligado ao manejo de pastagens, inclusive as naturais, enquanto a caatinga e a mata atlântica sofrem com incêndios de origem acidental ou decorrentes de práticas agropecuárias de pequena escala”, explica.

Na nota técnica, o instituto ressalta que os resultados do levantamento demonstram a crescente pressão sobre terras públicas e reforçam a urgência de políticas eficazes de gestão e proteção desses territórios.

Diz ainda que o uso do fogo em áreas privadas precisa ser feito com o chamado Manejo Integrado do Fogo, que visa o emprego controlado e sustentável deste recurso, diminuindo o material orgânico disponível para queima, aliado a outras medidas de prevenção de incêndios.

“Além disso, é imperativo intensificar o combate ao crime ambiental, com foco na repressão ao uso ilegal do fogo em áreas de vegetação nativa e na ampla divulgação das punições aplicadas, assim como o aumento dessas punições”, afirmam os pesquisadores.

JÉSSICA MAES / Folhapress

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