SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Terminou em impasse a reunião nesta sexta-feira (27) em que diretores da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) analisaram se cumpririam ou não uma decisão liminar da Justiça que ordenou o órgão a aprovar a transferência do controle societário da distribuidora Amazonas Energia para o grupo J&F, dos irmãos Wesley e Joesley Batista.
Após quase seis horas de discussões, os diretores Fernando Mosna, relator do processo, e Ricardo Tili votaram por não acatar a ordem judicial. A diretora Agnes da Costa e o diretor-geral Sandoval Feitosa entenderam que é preciso cumprir a decisão.
Na prática, porém, o empate levou ao descumprimento da ordem judicial. Na segunda-feira (23), a juíza Maria Pinto Fraxe, da 1ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Amazonas, determinou, em caráter liminar, que a Aneel aprovasse em 48 horas, a contar do recebimento da intimação, o plano de transferência da distribuidora do Amazonas apresentado pela Futura Venture Capital Participações e pelo Fundo de Investimento em Participações Infraestrutura Milão, que representam a J&F.
Ex-integrantes da agência ouvidos pela Folha avaliaram que o desfecho foi o melhor possível.
Diretor da Aneel de 2005 a 2013, Edvaldo Santana afirma que a Aneel tem um rito a seguir, e o órgão seria questionado se quebrasse o protocolo.
“O rito consiste em levar o processo para decisão pública, com voto de cada diretor, depois de ouvidas as áreas técnicas. Foi exatamente o que fizeram”, afirma.
“Por isso, por melhor que fosse, não tinha o menor sentido a proposta que foi apresentada de madrugada, a menos que também pedisse adiantamento do julgamento do processo, para que tal proposta fosse apreciada pela área técnica e pela procuradoria. Qualquer pessoa podia entrar na Justiça alegando ilegalidade pelo não cumprimento do rito.”
Santana diz acreditar que não era intenção da diretoria descumprir a ordem da Justiça. Porém a situação decorre do fato de a Aneel só ter quatro diretores, quando deveria ter cinco.
“E só tem quatro porque o governo ainda não encaminhou para o Senado o nome do novo diretor. Ou seja, a não decisão faz o processo ‘voltar para o colo’ do Poder Concedente, o Ministério de Minas e Energia”, afirmou Santana
Nelson Hubner, ex-diretor-geral da Aneel de 2009 a 2013, afirma que se a decisão judicial ainda for cumprida será pior.
Com uma dívida líquida de mais de R$ 11 bilhões, da qual a Eletrobras é a principal credora, e uma série de graves problemas operacionais, a Amazonas Energia é atualmente controlada pelo grupo Oliveira Energia, que há quase dois anos tenta se desfazer da concessão.
A J&F pleiteia assumir a distribuidora dentro dos requisitos previstos pela MP (medida provisória) 1.232 e apresentou um plano de saneamento, que, no entanto, foi descartado pela área técnica da Aneel por ser considerado caro e ineficiente. A proposta irá onerar os consumidores de energia de todo o país em R$ 15,8 bilhões, praticamente o dobro dos R$ 8 bilhões estimados pelos técnicos da agência, sem resolver o problema crônico da distribuidora.
Os representantes da J&F tentaram contornar o problema na área técnica, protocolando uma nova proposta, entre quinta e sexta, que a Aneel não teve tempo de avaliar.
“A proposta que foi apresentada, e que a Aneel avaliou, não atende aos requisitos e não leva o equilíbrio que se busca a distribuidora, então, a Aneel não tem como atender. Se a liminar não for suspensa, e a agência for obrigada a aceitar aquilo, as consequências são piores para a população de Manaus e para todos os consumidores brasileiros, que vão pagar por isso”, afirma Hubner.
Nesta semana, após o parecer dos técnicos da agência, a Âmbar Energia afirmou em nota que o plano apresentado demonstra sua “capacidade técnica e econômica” e que possui as “condições necessárias para reverter a inviabilidade econômica da distribuidora”.
Em trecho do comunicado, a empresa defende que “o plano proposto busca evitar a repetição de condições que não foram capazes de solucionar o problema” e “garantir a segurança energética para os consumidores do estado do Amazonas”.
Embora não tenham chegado a um acordo, os diretores da Aneel foram unânimes em criticar a decisão judicial do Amazonas, vendo nela uma interferência do Judiciário na autonomia e competência do órgão para julgar um processo estritamente técnico –o que seus pares concordam.
A medida também foi alvo de críticas de representantes dos consumidores de energia, que classificaram a entrega obrigatória da distribuidora amazonense como “equivocada e estranha”.
Na avaliação de Jerson Kelman, ex-diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) entre 2005 e 2008 e hoje colunista da Folha, seria razoável que a juíza exigisse que a agência tomasse uma decisão sobre o assunto, mas não dar um prazo para que o órgão aceitasse uma proposta rejeitada pela área técnica.
ALEXA SALOMÃO / Folhapress