WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – A morte de Hassan Nasrallah é uma vitória para Israel, mas apenas no curto prazo. Cortou-se a cabeça do Hezbollah, talvez, mas é da natureza das hidras que nasçam outras no seu lugar. A história já demonstrou isso.
Basta lembrar que a milícia libanesa era liderada antes de Nasrallah por uma outra pessoa, Abbas al-Musawi. Israel o matou em 1992 -assassinando também a sua mulher e o seu filho de cinco anos.
Tel Aviv, no entanto, não ficou mais seguro. Pelo contrário. Musawi foi substituído por Nasrallah, que se mostrou um líder mais eficiente e radical. O apoio da população ao Hezbollah aumentou.
O mesmo é verdade em relação ao Hamas. Israel matou em 2004 o fundador e líder do grupo palestino, Ahmed Yassin. Isso não impediu que tomassem o controle de Gaza em 2007 e seguissem se radicalizando.
Foram décadas decapitando a liderança de facções inimigas, sem os resultados almejados. Mesmo sem o xeque Yassin, o Hamas foi capaz de realizar o atentado de 7 de Outubro, que matou cerca de 1.200 em Israel.
A questão, em certa medida, é de não conseguir enxergar o futuro. A melhor maneira de desmantelar grupos radicais não é matando seus líderes e membros. É necessário tratar de suas ideologias.
Hezbollah e Hamas se definem em árabe como “muqawama”, ou “resistência”. Não são fundamentalistas no mesmo sentido da Al Qaeda e do Estado Islâmico, que possuem uma agenda religiosa mais evidente.
Ambos surgiram como consequência das conjunturas. O Hezbollah foi criado em 1985 para lutar contra a invasão israelense do Líbano. Já o Hamas veio em 1987, em oposição à ocupação da Cisjordânia e de Gaza.
Isso não exime esses grupos de suas ações. O Hezbollah, por exemplo, foi essencial para a permanência do ditador sírio Bashar al-Assad no poder, contribuindo para uma guerra civil que matou mais de meio milhão de pessoas.
Isso tampouco sinaliza boa vontade por parte deste repórter, que foi detido e interrogado pelo Hezbollah em Beirute e teve também de lidar com o Hamas em suas visitas à Faixa de Gaza, durante os conflitos.
Está claro, porém, que matar as lideranças do Hezbollah e do Hamas não vai fazer com que seus simpatizantes decidam abandonar questões que consideram existenciais –ou seja, sem as quais não podem mais existir.
O Hamas, por exemplo, se alimenta da insatisfação generalizada dos palestinos, que tentam estabelecer um Estado na região em que viviam havia séculos ou pelo menos retornar depois de sua expulsão em 1948.
Isso não se resolve com bombardeios nem com a decapitação de lideranças. Nos últimos 12 meses, Israel matou mais de 43 mil em Gaza. É fácil imaginar como os sobreviventes se sentem em relação ao país.
Ainda que a fantasia do premiê Binyamin Netanyahu se concretize e Hezbollah e Hamas desapareçam, outros grupos terroristas virão, talvez ainda mais radicais. O Irã segue interessado em financiá-los e treiná-los.
Os israelenses dizem que querem se sentir seguros. Pois os libaneses e palestinos também. É responsabilidade das lideranças locais, regionais e globais encerrar esses ciclos de violência dos quais se alimentam as hidras.
DIOGO BERCITO / Folhapress