SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “A forma mais poderosa de entrar é sendo criticado, [criando] uma polêmica, uma destruição”, explicou Pablo Marçal (PRTB) durante entrevista ao canal Primo Rico, no último dia 19, sobre sua estratégia para atingir o que chama de “níveis estratosféricos de inconsciente coletivo”, ou seja, tornar-se muito conhecido.
A prática pôde ser constatada durante debate do Flow Podcast, na segunda-feira (23), do qual ele foi expulso após desrespeitar as regras ao partir para o conflito com o adversário Ricardo Nunes (MDB), que tenta a reeleição.
Nos bastidores, um integrante da sua equipe deu um soco no marqueteiro de Nunes, que ficou com o rosto ensanguentado.
A estratégia assumida publicamente por Marçal dias após levar uma cadeirada de José Luiz Datena (PSDB) –até então o ápice do ambiente agressivo que vinha construindo desde o início da campanha– baseia-se em uma teoria nascida no meio econômico transportada para o digital como uma ferramenta eficiente de lucro.
A chamada “economia da atenção” considera o tempo gasto pelo usuário nas redes sociais uma mercadoria limitada e, portanto, disputada em troca de monetização –termo usado para se referir aos pagamentos feitos pelas redes sociais a donos de páginas que produzem conteúdo gerador de visualizações em massa.
O conceito é anterior às redes sociais e foi criado na década de 1970 pelo psicólogo e economista Herbert A. Simon, vencedor do Nobel de Economia em 1978. Ele atrelou a teoria da escassez que rege as relações econômicas à capacidade cognitiva humana.
Para manter a dianteira em meio ao excesso de estímulos, como explica Marçal, uma saída é acessar emoções intensas, como raiva e indignação, porque prendem mais a atenção dos usuários e instigam o engajamento.
“Os algoritmos são feitos para manter as pessoas online e, na medida em que o conteúdo se radicaliza por meio do ódio e de reações viscerais, as pessoas reagem mais e continuam online”, diz Ana Carolina Noronha, professora de linguística da Unesp (Universidade Estadual Paulista).
No dia seguinte ao debate da TV Cultura, no qual Marçal levou a cadeirada, o perfil do autodenominado ex-coach alcançou engajamento duas vezes maior. Ele fez 23 publicações que renderam média de 265 mil interações cada uma. Nos três meses anteriores, a média havia sido de 133 mil.
Levantamento do Instituto Democracia em Xeque e do Observatório de Conflitos na Internet identificou ainda que 49 contas com o nome de Marçal no TikTok somaram 14,1 milhões de visualizações e mais de 4,8 milhões de seguidores durante nove dias, no início de setembro.
Os vídeos mais visualizados mostram Marçal dizendo que “deve ser muito ruim ser filha do [Guilherme] Boulos, uma pessoa que muda de caráter a cada eleição”, e acusando jornalista de mentir sobre ele em entrevista ao programa Roda Viva. Em todos os cortes, Marçal aparece como o confrontador.
Trecho do levantamento detalha que muitos vídeos tentam construir a imagem de Marçal como alguém perseguido por enfrentar o “sistema”. Os conteúdos são usados para reforçar o antagonismo entre ele e os oponentes, “bem como para ridicularizar jornalistas”.
“Tudo é orientado por essa missão de realizar publicações em larga escala para gerar faturamento, principalmente a partir das premiações, da monetização direta junto à plataforma e também da venda de produtos”, diz Tatiana Dourado, doutora em comunicação e autora do estudo.
Segundo Ana Regina Rego, professora da Universidade Federal do Piauí e coordenadora da Rede Nacional de Combate à Desinformação, o método de Marçal é efetivo porque potencializa as emoções que já ganham naturalmente tintas mais fortes nas redes sociais.
“No processo de plataformização da vida, todo mundo disputa com todo mundo enquanto produtor de conteúdo. Isso tem a ver com estratégias de ação para direcionar algoritmos e vender produtos, valores e crenças”, afirma. A consequência, diz ela, é mais polarização e desentendimento por razões políticas.
A especialista defende uma regulação que cobre transparência das plataformas em relação ao funcionamento dos algoritmos e a responsabilização delas, junto com os produtores, pelo conteúdo de ódio e desinformação recomendado aos usuários. “É uma prática nociva à democracia e fere a construção de um processo comunicativo para que o eleitor possa escolher o candidato de um ponto de vista mais justo”, diz.
MARIANA ZYLBERKAN / Folhapress