Reinado dos Gomes está em risco no berço do clã, em campanha com ameaças e violência

SOBRAL, CE (FOLHAPRESS) – Em Sobral, cidade no interior do Ceará tida como modelo para o país em alfabetização e primeiros anos do ensino fundamental, a campanha à prefeitura é marcada por violência e intimidação associada a facções criminosas.

Os dois únicos candidatos –Izolda Cela (PSB) e Oscar Rodrigues (União Brasil)– reclamam de não terem conseguido entrar em determinados bairros depois de receberem recados de supostos intermediários de facções. Com 203 mil habitantes, Sobral é a 38ª cidade mais violenta do país e a terceira do Ceará, segundo o Atlas da Violência 2024.

Izolda, ex-governadora do estado (era vice de Camilo Santana e assumiu por nove meses quando o atual ministro da Educação deixou o cargo para concorrer ao Senado) e ex-secretária-executiva do MEC, recebeu ameaças de morte pela internet. A polícia prendeu quatro homens ligados ao episódio e a ataques com rojões em direção a militantes da candidata.

Veveu Arruda (PT), ex-prefeito de Sobral e marido de Izolda, foi agredido, junto com seu irmão Inácio de Carvalho (integrante da direção nacional do PC do B), durante um ato de campanha nos arredores do mercado central da cidade.

“Era uma passeata linda, e no final fizeram o que ameaçavam. Soltaram rojões na direção das pessoas, três professoras e uma criança foram machucadas, sofreram queimaduras. Meu marido foi ajudar uma pessoa que estava sendo agredida e acabou sendo também”, contou Izolda à Folha. “Não foi a população reagindo a qualquer coisa, né? Foi uma ação muito deliberada e anunciada.”

Partidários de Oscar e comerciantes no entorno do mercado associaram o episódio a ambulantes ressentidos com Veveu por terem sido expulsos da região quando ele foi prefeito (2011-2016).

A campanha de Oscar enviou à polícia um ofício relatando episódios semelhantes contra o candidato –que alega ter precisado abortar eventos no distrito de Caioca e no bairro de Vila União. Ele diz que seus aliados sofreram dois ataques com rojão.

À guerra literal se soma uma outra simbólica: na disputa mais renhida dos últimos tempos, o clã dos Ferreira Gomes, que comanda a cidade há quase 30 anos, corre o risco de ser defenestrado — a última pesquisa na cidade indicou vantagem da oposição. O atual prefeito (em segundo mandato) é Ivo Gomes, irmão de Ciro, Cid e Lia, os outros políticos da família.

Candidata do grupo, Izolda foi o pivô do rompimento da aliança estadual entre o PDT de Ciro e o PT –que rachou também a família. Em 2022, os petistas (liderados por Camilo Santana) e Cid defendiam que ela concorresse ao governo pelo PDT; Ciro e outra ala do partido escolheram Roberto Cláudio, e o PT lançou candidato próprio (Elmano de Freitas, que venceu). Cid, Lia e Ivo romperam politicamente com Ciro e trocaram o PDT pelo PSB.

Apesar do rompimento partidário com os irmãos, Ciro diz que está do lado deles em Sobral. Mas não participa da campanha. “Nunca vi nenhuma manifestação dele com relação a aqui. E respeito a situação. Houve um apartado grande naquele momento, de repente eu estava no olho do furacão”, diz Izolda. “Eu, pessoalmente, não tenho nenhum trauma nem ressentimento. Não cultivo isso no meu coração.”

Foi exatamente em Sobral –terra natal de Belchior e Renato Aragão– que nasceu a união recém-desfeita. Em 1996, Cid Gomes, então no PSDB, foi eleito prefeito da cidade, tendo como vice o petista Edilson Aragão. A vitória levou a família de volta ao poder –o pai deles, José Euclides, e outros antepassados já tinham administrado a cidade– e inaugurou a aliança entre eles e o PT que seria estendida com êxito ao plano estadual.

“Alternância de poder é um pressuposto da democracia. Sobral está cansada dessa acomodação e falta de diálogo”, afirma Luciano Linhares, coordenador da campanha de Oscar e ex-vereador que já foi do PSB e do PSOL antes de se juntar ao candidato do União Brasil –um bolsonarista. Oscar não quis dar entrevista.

Além da violência, ambos os candidatos têm cada qual seus próprios pepinos. Do lado de Izolda, é a taxa do lixo, cobrança instituída pelo aliado Ivo Gomes e incorporada à conta de água, que fez explodirem as despesas, revoltando a população –que, se não pagasse, ficava também sem água.

A reportagem conversou com moradores cujas contas não atingiam R$ 100 e que, com a taxa, passaram de R$ 500. Após a péssima repercussão e o possível efeito eleitoral, Ivo pediu desculpas, demitiu o titular do serviço de água e esgoto, anunciou a separação das cobranças e está revendo os valores das contas mais elevadas –em muitos casos ressarcindo o consumidor.

Izolda também reclamou. “A pessoa pode ser do Bolsa Família, do Cadastro Único, e se ela tiver um consumo de água um pouco maior, a taxa sobe. Oprimiu o orçamento de muita gente. A regra terminou pegando quem não podia pegar.”

Oscar, por sua vez, está acossado pela denúncia de ter fraudado atestados médicos para conseguir se aposentar por invalidez –alegando sofrer de Alzheimer– como professor da Universidade Estadual do Vale do Acaraú e ter recebido por anos tal benefício. Em nota, a instituição informou que instaurou procedimento administrativo para apurar a denúncia e intimou Oscar a realizar nova perícia. “No entanto, [ele] não compareceu a esta convocação, o que culminou com a suspensão do pagamento de sua aposentadoria.”

“Só existem duas opções: ou o Oscar fraudou um atestado para ficar recebendo sem trabalhar ou ele tem Alzheimer mesmo e não pode ser prefeito de Sobral”, disse a deputada estadual Lia Gomes (PSB), irmã de Cid, Ciro e Ivo, que protocolou uma notícia-crime ao Ministério Público sobre o episódio.

Procurado, Oscar não respondeu sobre o caso em si. Sua campanha divulgou uma nota em que afirma: “Não vamos pautar nossas ações por respostas às fake news da candidatura adversária”.

Linhares, o coordenador da campanha da oposição, provoca Izolda (ex-secretária de Educação de Sobral e do Ceará) e os Gomes quanto à principal vitrine da cidade. “Se é a melhor educação do Brasil, por que tem tanto jovem em facções, sem perspectiva de futuro?”

Izolda responde: “A qualidade do currículo pode e deve melhorar, [visando] uma formação mais ampla, mais integral, cada vez mais vinculada ao trabalho e a competências socioemocionais. Precisamos encontrar maneiras de fazer circuitos mais coordenados ao final da formação deles”.

FABIO VICTOR E DANILO VERPA / Folhapress

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