RIO DE JANEIRO, RJ, E COLINAS, RS (FOLHAPRESS) – Produtores rurais gaúchos vivem quadro preocupante de endividamento após sequência de fortes estiagens e enchentes, segundo avaliação de Antonio da Luz, economista-chefe da Farsul (Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul).
O episódio mais recente da crise climática no estado foi o registro das enxurradas que devastaram estruturas produtivas há exatos cinco meses, entre o final de abril e o começo de maio.
“O produtor rural gaúcho vem de duas estiagens [em 2022 e 2023] e uma enchente [em 2024]. Ele vive uma situação distinta. Não é normal o que aconteceu. Isso elevou o endividamento para níveis muito preocupantes”, afirma Luz.
“O maior problema nem é o tamanho da dívida, mas o perfil dela. É uma dívida de curto prazo, de capital de giro, de custeio.”
Após a catástrofe das chuvas, a Farsul cobrou alongamento de prazos de pagamentos e, conforme a entidade, avanços nesse sentido foram sinalizados pelo governo federal.
Neste mês, o Ministério da Agricultura e Pecuária anunciou que o CMN (Conselho Monetário Nacional) alterou resolução que estabelece condições de linhas de crédito disponibilizadas com recursos do superávit financeiro do Fundo Social.
A intenção seria facilitar o acesso do setor a medidas de apoio. Uma possibilidade autorizada foi a ampliação de prazo de até cinco anos para até oito anos em financiamentos de capital de giro a cooperativas e produtores rurais do estado.
“Duas safras frustradas por estiagem e uma por excesso de chuvas formam um bolsão de endividamento de curto prazo muito difícil de administrar”, afirma Luz.
“Numa situação dessas, o produtor não consegue tomar novo crédito para plantar. Não adianta anunciar o Plano Safra se ele não tiver condições creditícias de acesso”, completa.
O economista diz que o pleito defendido pelo setor, desde o início da crise das enchentes, é “tirar as dívidas do curto prazo e passá-las para o longo prazo”, com parcelamento ampliado.
Na visão de Luz, sem acesso a financiamentos, a agropecuária local poderia passar por uma concentração nos próximos anos. Ou seja, por essa lógica, produtores mais capitalizados poderiam ganhar ainda mais espaço no cenário estadual.
No fim de agosto, a família do avicultor Elio Pott, 69, ainda buscava liberação de financiamento para reconstruir sua estrutura de produção de ovos férteis no município gaúcho de Colinas (a 120 km de Porto Alegre).
A propriedade foi atingida pela cheia do rio Taquari em maio. O plano era erguer novos galpões em uma área mais alta. “Se dependesse só de nós, já estaríamos andando”, diz Pott.
Após as enchentes, agricultores e pecuaristas gaúchos realizaram protestos para cobrar ações mais rápidas de auxílio. Na fase inicial da crise, parte do setor também havia se irritado com a intenção do governo de promover um leilão de importação de arroz.
A medida tentaria conter uma disparada dos preços, já que o Rio Grande do Sul é o principal produtor do cereal no país. O leilão, contudo, foi cancelado.
Em visita a Porto Alegre em agosto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) subiu o tom e rebateu críticas do agronegócio, considerado base de apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
“O agronegócio está reclamando do quê? Porque a verdade é a seguinte: nunca antes na história do Brasil o agronegócio teve um Plano Safra que teve no nosso governo”, disse o petista. “Eu ajudo porque a agricultura é importante para este país.”
A participação da agropecuária na economia do Rio Grande do Sul é maior do que na média do Brasil. Em 2021, o setor respondeu por 14,9% do valor adicionado bruto ao PIB (Produto Interno Bruto) gaúcho, conforme o DEE (Departamento de Economia e Estatística), vinculado ao governo estadual.
O percentual superou com folga a participação do segmento na economia nacional, que foi de 7,7% no mesmo ano, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
LEONARDO VIECELI / Folhapress