SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mandato de Lula deve ter déficits em todos os anos, apesar das metas do arcabouço fiscal e outras notícias do mercado nesta segunda-feira (30).
**QUATRO ANOS NO VERMELHO**
As contas do governo Lula devem fechar no negativo em todos os quatro anos deste mandato, apesar de as metas oficiais indicarem o contrário.
Entenda: isso ocorrerá devido à margem de tolerância permitida pelo arcabouço fiscal e porque várias despesas estão fora da categoria de gastos enquadrados pela regra.
Os exemplos incluem o pagamento de precatórios, o apoio financeiro ao Rio Grande do Sul e os gastos no combate às queimadas que afetam o Brasil.
Os números. Para 2024 e 2025, as regras estabelecem o déficit zero com uma tolerância de 0,25% do PIB (Produto Interno Bruto), o que já permite uma flexibilidade de cerca de R$ 28 bilhões no vermelho este ano. As projeções são do próprio governo.
↳ Além dessa margem, R$ 40,5 bilhões não serão contabilizados. Na prática, o arcabouço será cumprido, mas o déficit efetivo será de R$ 68,8 bilhões
Em 2025, o arcabouço também será atendido e as contas terão finalmente um superávit, previsto em R$ 3,7 bilhões, mas os gastos não contabilizados resultarão em um déficit efetivo de R$ 40,4 bilhões.
Para 2026, o governo ainda não apresentou estimativas oficiais, mas economistas da Warren Investimentos e do BTG Pactual afirmam que o cenário deve se repetir.
A Warren estima um déficit efetivo de R$ 122,4 bilhões.
O BTG Pactual não apresentou um número fechado, mas concorda que haverá déficit.
Por que importa: mesmo cumprindo as metas estabelecidas, o resultado das contas públicas, na prática, é de déficit, o que aumentará o volume total da dívida pública brasileira. A repórter especial Adriana Fernandes trouxe os dados na Folha neste fim de semana.
↳ Economistas críticos ao cenário veem risco de novas despesas ficarem de fora, como chegou a ser cogitado com a ampliação do Vale Gás.
No ano passado, quando o arcabouço fiscal ainda não estava em vigor, o Congresso autorizou o fim do teto de gastos estabelecido pelo governo Temer, e o déficit foi de R$ 264,5 bilhões.
↳ As contas haviam fechado o ano de 2022 no azul, algo que não ocorria desde 2013.
Efeitos. O tamanho da dívida de um país em relação à sua economia é um dos fatores que elevam o risco para investidores. Isso pressiona os juros exigidos para financiar o governo e, consequentemente, encarece o crédito para empresas e cidadãos.
A perspectiva para a dívida brasileira é que ela atinja 81% do PIB em 2026, um patamar mais elevado do que o de outros países emergentes.
O outro lado. Membros da equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda) criticam essa interpretação, defendendo que alguns gastos têm motivos para estar fora da contabilidade do arcabouço fiscal.
↳ Segundo o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, há irracionalidade na discussão.
O que fazer. Economistas ouvidos pela Folha de S.Paulo em diversas reportagens nos últimos meses defendem uma revisão no ritmo do crescimento automático de algumas despesas obrigatórias. Há risco de elas ampliarem o déficit ou anularem o espaço dos outros gastos.
Entre elas estão os ajustes nos gastos com saúde, educação e a correção de aposentadorias e benefícios, que atualmente superam o índice da inflação.
Adriana Fernandes também abordou o tema nas suas últimas colunas. Leia mais aqui, aqui e aqui.
**RIO GRANDE DO SUL, CINCO MESES DEPOIS**
A agropecuária gaúcha, um dos setores mais afetados pelas enchentes de maio, ainda enfrenta grandes desafios para se recuperar. Muitos produtores rurais da região do Vale do Taquari perderam tudo após serem atingidos pelas enxurradas de lama provocadas pelo excesso de chuva.
Estima-se que cerca de 207 mil propriedades rurais sofreram impactos diretos das enchentes.
Virada. A Folha de S.Paulo retornou ao Rio Grande do Sul para retratar o processo de recuperação das regiões atingidas, em uma série de reportagens. No estado, a agropecuária é predominantemente de agricultura familiar. Veja também o conteúdo em vídeo.
Um dos principais desafios enfrentados pelos produtores é a recuperação do solo, devastado pela força da água. Algumas famílias optaram por mudar de atividade no campo, buscando alternativas com investimentos menores para retomar o trabalho.
Fernando Mallmann, por exemplo, trocou o gado de leite pelo plantio de grãos, como milho e soja, após a perda da maior parte de suas vacas.
Finanças no aperto. Cinco meses após as fortes enchentes, os produtores rurais do Rio Grande do Sul ainda enfrentam uma situação crítica de endividamento.
Segundo a Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), o maior problema não é o valor total das dívidas, mas o fato de serem dívidas de curto prazo, focadas em capital de giro e custeio.
Linhas de crédito com juros mais baratos foram uma das principais medidas econômicas de apoio do governo federal e estadual a empresas no estado.
O economista e professor Gustavo Inácio de Moraes discutiu a reinvenção da agropecuária gaúcha neste artigo de opinião.
Diante dessas dificuldades, a Farsul solicitou o alongamento dos prazos de pagamento às instituições como o Conselho Monetário Nacional (CMN).
A preocupação é que o alto endividamento dificulte o acesso a novos financiamentos, como o crédito do Plano Safra.
Força econômica. A agropecuária tem uma participação relevante na economia do Rio Grande do Sul. Em 2021, o setor representou 14,9% do PIB estadual, enquanto no PIB nacional sua participação foi de 7,7%, de acordo com o IBGE.
Tanto as chuvas de maio no Sul quanto a seca recorde que atinge o país atualmente devem contribuir para uma safra agrícola 6% menor neste ano.
**ARGENTINA MAIS POBRE**
Mais da metade da população argentina é hoje classificada como pobre. O percentual subiu de 41,7% no segundo semestre de 2023, antes da posse do presidente Javier Milei, para 52,9%, o maior patamar em 20 anos.
Foram 3,4 milhões de argentinos que caíram na pobreza neste ano.
Entenda: o aumento é reflexo de medidas do governo Milei como demissões de servidores, congelamento de aposentadorias, fim de programas sociais e paralisação de obras de infraestrutura.
As medidas são defendidas pelo presidente como necessárias para estancar o déficit das contas públicas e conter a inflação.
Os preços até desaceleraram, e as contas do primeiro semestre ficaram positivas pela primeira vez em 16 anos. No entanto, o país enfrenta uma crise.
O desemprego ocupa a posição de maior preocupação entre os argentinos, superando a inflação.
Problemas à vista? A recessão econômica é vista por Milei como um choque necessário, um preço a ser pago para corrigir o rumo do país, que teria sido mal gerido pelos governos anteriores.
A oposição peronista, no entanto, critica as políticas de austeridade, afirmando que elas penalizam os mais pobres.
Até o momento, analistas apontavam que a população ainda concedia um voto de confiança ao presidente.
Sim, mas… A popularidade de Milei está em queda. A aprovação geral do governo caiu dois pontos neste mês, para 53%.
Apesar da crise, alguns sinais positivos podem sustentar a popularidade do presidente. Após um forte recuo no primeiro semestre, a economia argentina registrou um crescimento mensal em julho, melhor que as expectativas. Também há aumento nas reservas de dólares.
A colunista Sylvia Colombo, moradora de Buenos Aires, comenta a estratégia política do presidente em meio aos desafios na economia.
**DE OLHO NA BOLSA**
A siderúrgica CSN foi a empresa que mais se destacou na Bolsa após o pacote de estímulos anunciado pelo governo chinês para impulsionar a economia.
As ações dispararam 21% apenas na última semana e continuam no radar dos investidores.
O caixa da CSN é diretamente influenciado pelo valor do minério de ferro, que, por sua vez, depende fortemente da demanda da China. O mesmo ocorre com a Vale, cujas ações também tiveram forte alta.
Gigante asiático. O governo chinês visa alcançar um crescimento de 5% neste ano, embora a demanda interna esteja enfraquecida. Entre as medidas anunciadas estão incentivos para a compra de imóveis.
As autoridades chinesas prometeram gastar o que for necessário para atingir essa meta.
Outras empresas que se beneficiaram com o pacote de estímulos foram a CSN Mineração, divisão focada na extração de minério de ferro, além de Usiminas e Gerdau.
VICTOR SENA / Folhapress