Por que futebol saudita muda foco de contratações e mira jovens brasileiros

RIO DE JANEIRO, RJ (UOL/FOLHAPRESS) – “E aí, quer ir?”. A pergunta que o empresário Fernando Brito fez ao atacante Marcos Leonardo foi respondida em forma de assinatura de contrato 20 dias depois. O Al-Hilal pagou 40 milhões de euros (R$ 250 milhões) pelo atacante brasileiro, então no Benfica. Em termos de valores, foi a maior contratação de jogadores com menos de 21 anos, em uma janela na qual os sauditas deram recado claro foi dado ao mercado: queremos os jovens.

E os brasileiros tiveram parte central nesse projeto de rejuvenescimento. A liga saudita viu as saídas de Michael e Alex Telles —que estão perto ou já passaram dos 30. Ao mesmo tempo, incorporou nomes como Ângelo (Chelsea), Wesley (Corinthians) e Alexsander (Fluminense). Todos com menos de 21 anos.

É uma segunda onda de transferências. A primeira foi a que levou para lá nomes como Neymar, Benzema, Cristiano Ronaldo, Kanté, Fabinho e outros medalhões. Agora, o passo olha para o médio e longo prazo.

Os árabes, desta forma, se tornaram destino potencial de jogadores que hoje atuam no futebol brasileiro ou bateram na Europa e não tiveram tanto espaço assim.

Ao fazer esse movimento, o futebol saudita se volta para quem poderiam alimentar a cadeira lucrativa de clubes que sabem bem fisgar jovens e revendê-los mais valorizados dentro da própria Europa. Benfica, Porto, Sporting e Borussia Dortmund são alguns que fazem isso com certa maestria.

Para os clubes brasileiros, mais um leque para negociações com moeda estrangeira forte. Boa notícia para os cofres.

“Estamos chamando de fase dois. A fase um foi a de custo de entrada. Para entrar no mercado, ser notada, a liga fez investimentos altos, midiáticos e calculados. Eles não vão parar. Agora, é rejuvenescer a liga. Isso aumenta contato com público jovem e eles querem passar a serem vistos como mercado de negociação e não só de compra. Jogadores com idades de 21, 22, 23 anos têm potencial de transferência maior para mercados europeus”, explicou ao UOL o advogado Marcos Motta, que tem participado à mesa na formatação contratual de diversas negociações no país.

Para que a inclusão dos jovens não fosse pontual, de um clube ou outro, a liga saudita até mudou a regra de estrangeiros. Até dez são permitidos, mas dois deles precisam ser sub-21. Então, os dirigentes saíram atrás dessas opções mais jovens.

Antes da janela mais recente, a contratação do espanhol Gabri Veiga, então com 21 anos, do Celta de Vigo para o Al-Ahli, foi a exceção.

POR QUE MARCOS LEONARDO FOI PARA LÁ

Marcos Leonardo entrou nesse escopo, depois de passar seis meses no Benfica. A adaptação não foi perfeita. Mesmo sem se firmar, deixou Portugal com oito gols.

O brasileiro não tinha experimentado mudança tão rápida de um clube para outro. Ele fez a base no Santos. Quando fez o gol que livrou o time do rebaixamento, em 2021, e renovou contrato, o jogador e seu estafe traçaram um plano de três anos: sair bem do Peixe e jogar a Liga dos Campeões da Europa.

O atacante flertou com a Roma, mas acabou fechando com o Benfica, onde desembarcou em janeiro.

O time português, àquela altura, estava na Liga Europa. Mas está na Champions da temporada atual. Marcos Leonardo poderia ter concretizado o plano por completo, se o Al-Hilal não tivesse batido à porta.

“Não foi uma decisão fácil. Ele não estava decidido. Não era o nosso foco inicial. Nosso projeto não era em 2024 estar indo para o Al-Hilal. Eu fui honesto com eles”, explica Fernando Brito, da Dodici Sports.

Jogar com Neymar e outros nomes badalados que estão no time de Jorge Jesus foi o caminho inicial de convencimento próprio de que poderia valer a pena. O estafe e o jogador entenderam que poderia, sim, haver desenvolvimento para ele atuando ao lado de jogadores com experiência de Copa do Mundo. Até em maior quantidade do que no atual Benfica.

PROFISSIONALISMO COMO ALIADO

A menção de Fernando aponta para o grau de profissionalismo e complexidade das negociações por parte dos sauditas. E isso vai seduzindo também quem controla ou assessora os jogadores.

Na janela de “boas vindas”, que chamou a atenção após o massivo investimento estatal, as negociações eram feitas pelos representantes do fundo local do futebol ou até da própria liga. Agora, os principais clubes contam com executivos experientes para a função.

O Al-Hilal tem Esteve Calzada, ex-Manchester City, como CEO. O Al-Nassr levou o espanhol Fernando Hierro como diretor esportivo. Ramon Planes, outro ex-Barça, é o diretor esportivo do Al-Ittihad. No Al-Ahli, o CEO é Ron Gourlay, que já passou por vários clubes ingleses, como Chelsea e West Bromwich. Só para citar um representante entre os quatro grandes do país.

“Esse outro tipo de perfil, do diretor técnico, tem um perfil de mercado diferente, até pela experiência. Vamos ver outras contratações em janeiro. Eles vão para cima dos jovens”, avisa o advogado Marcos Motta.

CONTRATOS DOS MEDALHÕES PERTO DO FIM

A contratação de jovens no momento é estratégica também porque contratos da primeira leva de medalhões terminam no meio de 2025. É o caso de Neymar, Benzema e Firmino.

Há um orçamento definido por parte dos sauditas para não gerar uma bolha que estoure antes da Copa de 2034, por exemplo, que será lá. Quem milita no mercado aponta diferenças em relação a movimentos recentes de contratações de estrelas, como o do mercado chinês —que já implodiu.

Com os nomes à disposição e querendo mais gente, o desafio da liga saudita agora se consolidar com local de futebol interessante e equilibrar mais o aspecto competitivo: ou seja, ter uma liga mais atraente do que os movimentos isolados de Al-Hilal, Al-Nassr, Al-Ittihad e Al-Ahli.

IGO R SIQUEIRA / Folhapress

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