SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Fortalece uma banquinha”, diz a mensagem na caixa de perguntas seguida de um emoji com olhos de coraçãozinho. “Ô gente, eu até queria, mas para quem não sabe eu sou candidato a vereador, então até o dia 6 de outubro fica impossível. Mas depois do dia 6 volta tudo ao normal”, responde Wallyson Tigrinho à câmera.
O perfil é do jovem de 25 anos Wallyson Rafael Pereira, que no próximo domingo concorre pelo Podemos a uma cadeira no Legislativo de Monsenhor Gil, município de 10 mil habitantes no interior do Piauí. Ele ficou famoso na cidade por divulgar o “jogo do tigrinho” e decidiu tentar a sorte na política.
Por trás do filtro “nada básica” dos seus stories, Wallyson é um dos candidatos que surfam em modismos da internet nestas eleições, na tentativa de transformar seguidores em eleitores.
Nomes acrescidos de expressões como “do Instagram”, “do Facebook”, “tiktoker” e “youtuber” se juntam aos antigos “da educação” e “da saúde” nas listas do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em várias cidades do país. O mesmo ocorre com “bet”, o nome popular dos sites de apostas esportivas, “lives” e “Pix”.
Um deles é Lealdo do Pix (Solidariedade), 39, dono de uma loja de ar-condicionado automotivo em Santos (SP) que apareceu em reportagens no ano passado por ter devolvido uma transferência de R$ 690 mil feita por engano à sua conta. Agora com 25 mil seguidores, ele concorre a vereador. “A honestidade nunca será só um detalhe”, diz uma de suas propagandas.
No caso de Wallyson Tigrinho, o convite surgiu do seu avô, que tentou se eleger três vezes sem sucesso no município piauiense. “Devido à gente ser de cidade pequena, fiquei conhecido, e ele me convidou para ficar no seu lugar. No início não queria ser candidato, mas topei pelo carinho que tenho por ele.”
O influenciador pretende levar empregos e projetos para a juventude. Construir uma rodoviária e criar um complexo com pista de skate são algumas das ideias do jovem, que concluiu o ensino médio e afirma ganhar cerca de R$ 15 mil por mês só com comissões por levar apostadores à plataforma Fortune Tiger.
Ele conta que foi orientado a pausar, durante a campanha, as divulgações do jogo e outras brincadeiras para gerar engajamento, por risco de ser acusado de compra de votos, apesar de ter voltado a fazê-lo na última semana. Os caça-níqueis eletrônicos hoje funcionam por uma brecha na legislação.
Segundo Marco Antonio Carvalho Teixeira, cientista político e professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas), o uso dos termos do mundo digital no nome de campanha é a forma que candidatos encontram para explorar ao máximo a popularidade que acumularam fora da política.
“A pessoa se apresenta como é conhecida, principalmente em lugares onde o eleitorado é reduzido e existe um espírito de comunidade mais forte”, afirma.
É o caso também de Serjão da BetStar, candidato a vereador pelo PSDB em Iracema, município de 10 mil habitantes em Roraima, na fronteira com a Venezuela. “Serjão é um apelido de infância e veio a agregar a BetStar, que é onde eu trabalho como cambista e colaborador”, diz Luis Fernando de Negreiros, 37.
“Como é uma cidade pequena, todo mundo sabe que eu sou o Serjão da BetStar, é como as pessoas me localizam”, completa ele. Trata-se de um site de apostas regional, que está fora da lista divulgada pelo governo Lula (PT) na terça (1º) de bets autorizadas a operar no país.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entende que candidatos podem citar empresas privadas nos nomes de urna, desde que o nome escolhido não seja ofensivo ou cause confusão de identidade.
Por outro lado, a corte respondeu no final de julho a uma consulta da deputada estadual Simone Marquetto (MDB-SP) e determinou que a proibição de divulgação de companhias se aplica a todas as formas de propaganda eleitoral, inclusive à internet.
A resolução coloca candidatos em uma zona cinzenta, de acordo com o advogado especialista em direito eleitoral Fernando Neisser. “Se o adversário entrar na Justiça, é uma daquelas ilegalidades que pode gerar a derrubada da propaganda”, afirma.
Outro que está nessa lista é Érick do Instagram (PP), que concorre pela primeira vez em Rio Verde (GO). O corretor de imóveis Érick Araújo Silva, 33, diz que a alcunha surgiu graças aos 20 mil seguidores que acumulou a partir da pandemia. “Comecei a fazer vídeos de humor, de cotidiano, e consegui atrair um público”, conta.
Ele não tinha pretensões políticas até começar a receber a sugestão dos próprios fãs. Se eleito, afirma que apoiará projetos de acordo com as demandas dos eleitores. “Eu não tenho bandeira como ‘Érick da saúde’, ‘Érick da educação’ ou ‘Érick do transporte’. Estou aqui para representar o povo”, defende.
O professor e pesquisador Márcio Moretto Ribeiro, um dos coordenadores do Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP (Universidade de São Paulo), diz que “a linha entre política e marketing está cada vez mais tênue”.
Para ele, as redes sociais e o contexto digital oferecem terreno fértil para a disseminação de discursos populistas, desvinculados de ideais e propostas. “Esses candidatos realmente almejam cargos políticos ou estão utilizando a campanha como uma estratégia de marketing para seus próprios negócios?”, questiona.
JÚLIA BARBON, LAURA INTRIERI E PEDRO TEIXEIRA / Folhapress