SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “A gente queria ser o segundo banco dessas pessoas. Mas o objetivo passou a ser que cada um passe a usar a sua conta como o primeiro banco.”
Everaldo Coelho, diretor de marketing do Palmeiras, almeja chegar a 1 milhão de correntistas. O universo de torcedores da equipe no Brasil é bem maior do que isso: 15 milhões de pessoas.
Segundo a pesquisa Datafolha realizada em agosto do ano passado, o Palmeiras tem a terceira maior torcida do país, com 7% da população. É o mesmo percentual do São Paulo. À frente dos dois estão Flamengo (20%) e Corinthians (15%).
Não se compara ao número de clientes dos principais bancos do país. A Caixa Econômica Federal possui 151,9 milhões. O Nubank, o maior entre os digitais, está com 89,8 milhões.
Mas Coelho se refere a um mercado que começa a ser explorado por clubes de futebol. No início do ano passado, a agremiação se associou à fintech Pefisa, braço financeiro das Pernambucanas, para lançar o Palmeiras Pay, que oferece serviços financeiros como investimentos, conta-corrente, cartões de crédito e débito e seguros.
Nos anos 1990, os principais times do país tiveram cartões de crédito com seus escudos. Mas se tratava apenas de uma iniciativa de grandes bancos, interessados em uma fidelização que nunca aconteceu, até porque os times não se esforçaram muito.
O Flamengo, agremiação mais popular do país, com cerca de 43 milhões de torcedores, também percebeu o potencial de entrar no mercado financeiro. Em modelo diferente, porém.
A equipe carioca montou, em parceria com o BRB (Banco de Brasília), o Nação Fla, um banco digital. Em abril, anunciou o lançamento de um “superapp” para clientes de alta renda, com todas as funções bancárias.
Para isso, foi criada uma nova empresa em que o BRB é sócio e o Flamengo tem opção de compra de 45% do capital, com a mesma porcentagem da participação dos lucros. A estimativa do banco é que o programa já tenha atraído 3,5 milhões de clientes desde 2020. Desde então, foram feitas mudanças no contrato e este foi dividido em três: um para a parceria, outro para licenciamento de produtos e o terceiro para patrocínio na camisa do time de futebol.
A estratégia do Palmeiras mira a conexão que os torcedores já têm com seus times, diz José Roberto Kracochanksy, fundador e CEO da Jazz Tech, empresa que oferece integração de serviços financeiros em diferentes modelos de negócios.
“Se a gente pegar na essência, serviço financeiro é tudo igual. Se você considerar isso e for na tese da fidelização, o torcedor é muito fiel ao seu clube. A premissa de juntar serviços bancários, open finance, consumidor com acesso a serviços financeiros faz todo o sentido, do ponto de vista teórico”, define.
Desde o lançamento, o Palmeiras Pay movimentou cerca de R$ 1,1 bilhão em compras e emitiu 15 mil apólices de seguro. Foram entregues 660 mil cartões de crédito. Um facilitador é a capilaridade das Pernambucanas, com cerca de 500 lojas no país e que podem abrir a conta em cinco minutos.
A Pefisa oferece toda a estrutura financeira para o Palmeiras e a licença para funcionamento dada pelo Banco Central. O clube entra com sua lista de associados, marca e capacidade de mobilização dos torcedores.
A previsão inicial, de acordo com as duas instituições, era que no primeiro ano fossem abertas 200 mil contas. O número chegou a 500 mil. Há pelo menos um correntista em 5.124 dos 5.570 municípios brasileiros (92%). Um caso que chamou a atenção da Pefisa aconteceu em Alagoinhas-BA. Foram abertas 2.800 contas em 90 dias. A cidade tem 213.940 habitantes, pelos números mais recentes do IBGE.
“É algo que faz muito sentido. Estamos falando de milhões de torcedores que são fiéis. O sonho do clube é transformar esses torcedores em consumidores. O sonho do banco é despertar essa fidelidade. O clube começa a olhar para fontes alternativas de receitas e percebe que o torcedor consome um monte de coisas”, afirma Marcelo Paganini de Toledo, professor de Gestão e Marketing Esportivo do curso de Administração da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).
“Se ele vai contratar um seguro, por que não do clube dele? Se vai abrir uma conta corrente, por que não do clube dele? Se vai fazer uma operação de crédito, por que não do clube dele?”, completa.
Como a conta é gratuita, a Pefisa ganha na taxa de utilização das operações de débito e crédito. Além de angariar novos sócios, o Palmeiras recebe royalties. Desde a implantação do programa, foram cerca de R$ 18,5 milhões.
A abertura dá direito ao correntista de degustar o Avanti, o programa de sócio-torcedor, por até seis meses, a depender do tipo de cartão contratado. O Palmeiras pulou de 80 mil para 200 mil sócios adimplentes, que pagam mensalidade que varia entre R$ 9,90 e R$ 800.
“O que não falta no mercado é oferta de cartão e a escolha do consumidor está cada vez mais baseada nas suas afinidades. Tem quem goste de milhas áreas, de cashback O Palmeiras dá prêmio por aplicação financeira, pix parcelado. É um banco digital, não só um cartão de crédito”, diz Walter Ouchi, vice-presidente da Pefisa, que tem 40 anos no mercado.
“Pela característica do nosso contrato, podemos depois passar para outra fintech e levar a nossa base de associados”, lembra Everaldo Coelho.
O Palmeiras quer apenas a estrutura da Pefisa, sem qualquer outra ligação. A principal patrocinadora do uniforme é a Crefisa, empresa de empréstimos pessoais em que a presidente do clube, Leila Pereira, é a presidente.
Uma das preocupações é o que fazer na concessão de crédito para quem abre conta no Palmeiras Pay, já que cada cliente tem um histórico financeiro diferente.
“Este é o outro lado da moeda. É o mesmo torcedor que pode reclamar do clube que lhe nega um crédito ou que não lhe dá um limite que ele acredita merecer. Então, banco e clube precisam equilibrar essa linha entre paixão e raiva”, opina José Roberto Kracochanksy.
O diretor de marketing concorda que este pode ser um problema e, por isso, diz que a estratégia é ser cauteloso na análise dos dados.
“O processo de concessão de crédito é muito regulamentado pelo Banco Central. A decisão de a quem conceder e quanto conceder é da instituição financeira [Pefisa]. Nós concedemos créditos há 40 anos para a classe C. A gente acumulou uma série de informações e modelos estatísticos nesse tempo”, explica Walter Ouchi.
ALEX SABINO / Folhapress