MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS) – Embora a bancada ambientalista tenha murchado 25% nas últimas eleições para o Parlamento Europeu, a agenda climática segue em alta entre as autoridades municipais em boa parte do continente.
As ações climáticas foram escolhidas entre as prioridades para 2024 em levantamento realizado com 92 prefeitos de 28 países da Europa, sendo a opção de 67% dos líderes locais.
Foi a segunda vez consecutiva que o tema ficou na liderança da preferência dos políticos na pesquisa realizada pela iniciativa Eurocities.
A atenção dada à questão ambiental nas políticas locais e regionais não é novidade na Europa.
Em 2008, representantes de 370 cidades lançaram o Pacto de Prefeitos, no qual se comprometeram a buscar a redução de emissões de gases causadores de efeito estufa, entre outras medidas para combater o aquecimento global. Hoje, 15 anos depois, mais de 11 mil cidades e vilas integram a iniciativa, com representantes de diferentes espectros políticos.
Ainda que muitas das propostas possam não sair do papel, elas costumam aparecer em programas de governo e nas campanhas políticas, sobretudo nas cidades de maiores dimensões.
Entre os projetos mais comuns na esfera municipal estão as iniciativas para fomentar o uso de transportes públicos e de bicicletas, programas para a adoção de fontes de energias renováveis e incentivos a criação de espaços verdes.
Em um movimento para reduzir emissões e também melhorar a qualidade do ar, várias grandes cidades europeias –como Roma, Londres e Paris– já adotaram restrições para a circulação de veículos movidos a combustíveis fósseis em algumas regiões.
Ao todo, mais de 300 áreas de baixas emissões já foram implementadas na Europa, enquanto já há planos para outras 500 serem instaladas até 2030.
Embora essa medida já mostre resultados palpáveis em várias capitais, como Madri e Bruxelas, com a melhora da qualidade do ar e a diminuição das emissões, as restrições de carros por questões ambientais estão longe de ser uma unanimidade entre os europeus.
O principal argumento é de que essas medidas são excludentes, uma vez que uma parcela significativa da população não teria condições financeiras de substituir seus veículos a combustão por carros elétricos.
Em Londres, várias câmeras que fazem o monitoramento dos veículos em circulação foram vandalizadas. Na capital espanhola, a existência das áreas de baixa circulação vem sendo contestada na Justiça.
O descontentamento já foi identificado pelos líderes municipais. No levantamento feito pelo Eurocities em 2024, embora cerca de 70% dos prefeitos considerem que seus eleitores priorizam políticas de descarbonização, metade dos entrevistados revela estar preocupado quanto a possíveis reações locais contrárias contra suas medidas climáticas.
“A grande maioria dos prefeitos está confiante de que seus cidadãos apoiam suas metas climáticas ambiciosas”, disse André Sobczak, secretário-geral da Eurocities, que destacou também que a questão de financiamento ainda é apontada como uma dificuldade pelos políticos.
“Ainda que as prioridades das cidades e da União Europeia estejam muitas vezes muito alinhadas [com as ideias municipais], esses são pontos onde o financiamento e as políticas europeias estão aquém do necessário e continuam sendo bloqueados pelos governos nacionais”, completou.
No Brasil, apesar do número crescente de eventos climáticos extremos e da crise de poluição causada pelas queimadas, a questão ambiental não vem tendo protagonismo no atual pleito municipal.
Uma análise em capitais brasileiras -São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Manaus e Porto Alegre- indica que os candidatos a prefeito não colocaram questões relacionadas ao clima como prioridade nas propostas de governo.
O levantamento, feito pelo Greenpeace Brasil em parceria com o Instituto Clima de Eleição, analisou os documentos enviados pelas candidaturas ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e concluiu que o tema ambiental aparece “sem profundidade técnica”.
Segundo o monitoramento, há muitas propostas ambientais genéricas e sugestões pouco precisas, como a ampliação de áreas verdes, mas sem a estipulação de metas ou integração com outras iniciativas.
Entre os postulantes ao cargo de vereador, as propostas ambientais também têm tido pouco destaque.
Criada para dar visibilidade àqueles que se comprometem com o combate às mudanças climáticas, a plataforma Vote pelo Clima agrega candidaturas com esse perfil. Todos os participantes passam por uma checagem prévia e uma análise preliminar das propostas.
Até agora, são pouco mais de 1.300 inscritos, em um universo de mais de 431 mil candidatos. Embora já haja representantes de todos os estados brasileiros, há predomínio do Sudeste, com São Paulo na liderança, seguido pelo Rio de Janeiro.
“A realidade é que o clima não é uma pauta política brasileira”, avalia Lucas Louback Silva, gestor de campanhas nacionais e incidência política da ONG Nossas, que integra o projeto. “A discussão ainda é bem incipiente.”
Para ele, no Brasil, “nós estamos dando um passo nessa mobilização com o público, dando visibilidade”. Além da plataforma, que tem um buscador de candidatos por estado e município, o projeto também criou um repositório com material informativo que auxilia os candidatos na formulação de propostas de políticas públicas bem fundamentadas para a questão ambiental.
Ainda que o projeto seja apartidário, as legendas de esquerda dominam entre os inscritos, com PSOL, PT e Rede Sustentabilidade nas primeiras colocações.
“Já passou da hora de o Brasil ter uma bancada climática forte. É algo essencial, é urgente”, diz Silva, que destaca a assimetria com o número de representante políticos ligados ao agronegócio.
Uma pesquisa do Datafolha divulgada no fim de setembro revelou que a maioria da população em Belo Horizonte, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo considera que as mudanças climáticas são um risco imediato.
A capital mineira teve o índice mais elevado (76%), seguida pela paulista (71%), fluminense (66%) e pernambucana (59%).
GIULIANA MIRANDA / Folhapress