RIO DE JANEIRO, RJ (UOL/FOLHAPRESS) – A pouco menos de duas horas antes do jogo, dois tricolores conversavam na rampa da Uerj já sob as primeiras gotas de chuva da noite de futebol no Maracanã.
– Se a gente não ganhar hoje, tamo f…
– Mas muito. Trabalhei hoje p… o dia inteiro porque viria neste jogo.
– Pô, mas o Mano no ano passado deu um nó no Diniz. Não é possível que agora não vai dar.
– Já tenho a legenda da foto pra depois do jogo. “Eu já sabia, mas vim de trouxa”.
E lá seguiram Matheus (estava escrito nas costas da camisa) e seu amigo para o acesso da torcida do Fluminense para o reencontro com o técnico com quem comemoraram o título da Libertadores do ano passado.
A realidade atual é bem diferente do mágico passado recente com Fernando Diniz. O diálogo presenciado pela reportagem retrata a preocupação com um time na zona de rebaixamento e que vê a ameaça de queda cada vez mais presente.
A preocupação e insatisfação é mais com o Fluminense atual do que com os problemas da era Diniz. Tanto que Mano Menezes teve o nome vaiado no anúncio da escalação.
Como Diniz, uma vaia “simples” e tímida ao término do aviso de quem jogaria pelo lado do Cruzeiro. Mas nenhuma menção direta vinda da arquibancada. Foi um contato até meio frio por parte da torcida, em geral.
Mas não dos jogadores e dos funcionários do Fluminense. Quem passou por ele não perdeu a oportunidade de cumprimentar Diniz ou dar um abraço.
A fila à beira do gramado do time inteiro do Fluminense mostra o quanto o técnico é querido pelo grupo.
O técnico não tentou “forçar” situações, não se remeteu à turma da mureta ou à massa do setor norte. Atendeu a quem pediu fotos, foi simpático.
Na noite chuvosa do Rio, 18.301 pagantes. Menos da metade da capacidade do estádio. Isso amenizou também o peso do reencontro com o local e as pessoas que aclamaram o técnico e que, no final da passagem dele, ainda este ano, perderam a paciência com ele.
O jogo, em si, mostrou um Cruzeiro já com características de Diniz. Para o bem e para o mal. O toque de bola característico levou o time ao ataque. Muitas chances criadas, especialmente no primeiro tempo.
Mas o efeito colateral veio em forma de cochilos em alguns momentos nessa saída curta. Ganso, por exemplo, quase fez gol ao interceptar de carrinho uma bola mal passada por Villalba.
Diniz teve suas reações características. Mão na cintura. Mão na cabeça. Mãos pressionando os olhos e passando na região da garganta.
O Cruzeiro não só ficou no quase, como ainda levou gol no segundo tempo. Em erro defensivo considerado “inocente” pelo treinador. John Arias foi letal. Como corrigir e lançar o time ao ataque?
A substituição com a qual a torcida do Flu se acostumou: tirar um zagueiro e colocar um volante de origem na posição. Walace foi o escolhido para emular o que tanto já fizeram André e Martinelli. Mas não teve jeito. O time ainda parou em Fábio, que aos 44 anos mostra altíssimo nível. Diniz que o colocou na posição atual.
“Agora eles vão passar o que a gente passou por dois anos”, disse um torcedor do Flu a um amigo, na saída do estádio.
Na despedida do Maracanã, frustrado por ainda não ter vencido no novo emprego, Diniz foi o último a sair da delegação visitante. Deu coletiva e conversou com repórteres informalmente. Tirou fotos com parentes de jogadores e deu um abraço e um beijo em Ganso e em toda a família do meia.
“É normal por tudo o que aconteceu e tudo o que a gente conquistou. É um carinho e uma gratidão recíproca. Foi muito bom rever as pessoas. Obviamente queria sair com o resultado positivo. Estou do lado azul, me sinto feliz por vestir a camisa do Cruzeiro para a sequência da minha carreira”, disse Diniz.
Da perspectiva do Fluminense, foi um bom reencontro. Venceu o ex-treinador, saiu da zona de rebaixamento e jogou a pressão para os concorrentes diretos.
Pessoalmente, Diniz deixa, sim, saudades. Não foi xingado no Maracanã, mas também não foi homenageado expressamente. Nem por isso perde seu lugar de importância da página mais vitoriosa da história tricolor.
Mas só não pode mais sair comemorando com o tradicional “vitória, Fluminense”.
O rapaz que desceu a rampa da Uerj não foi tão trouxa assim. Deve ter arrumado outra legenda para a foto.
IGOR SIQUEIRA / Folhapress