SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – É possível assistir à primeira parte do espetáculo “Édipo Rec” nas galerias do teatro do Sesc Pompeia, mas a experiência é mais interessante para os espectadores que ocupam o palco, transformado em uma festa com direito a pista de dança, karaokê e beijaço. Na primeira hora da peça, o público é chamado a se juntar aos artistas, em uma quebra total da quarta parede.
A montagem do grupo Magiluth, de Pernambuco, recria a jornada do herói grego, de Sófocles, com reflexões sobre o mundo contemporâneo, sem seguir uma ordem linear para os acontecimentos e com o uso de múltiplas linguagens artísticas.
Com passinhos, cantoria, ballroom e beijo na boca, a peça começa em um momento de renascimento do reino. Édipo aparece como um DJ que anima a balada com músicas de Alcione, Pabllo Vittar e Lulu Santos. Creonte, por sua vez, usa camiseta com estampa do “Poderoso Chefão” ou time de futebol. Jocasta questiona o machismo e Tebas é povoada de drag queens com seus bate-leques.
O paralelo, aqui, é com o mundo moderno que produz muitas imagens, quase todas registradas por celulares e compartilhadas nas redes sociais, como uma segunda vida que nem sempre dialoga com a realidade. O coro, reflexivo e questionador no texto clássico, no espetáculo é representado pela câmera que filma e exibe tudo ao vivo, em telas que compõem o cenário.
A plateia assiste, mas também está nas cenas registradas e reproduzidas. Além disso, a interação proposta pelo grupo e a ocupação expandida dos espaços do Sesc Pompeia chega a provocar, em alguns momentos, dúvidas sobre os limites da encenação.
Doses de cachaça, música e contato direto com alguns dos artistas aquecem os espectadores antes do início oficial da peça, por exemplo. Não há intervalo nas duas horas de espetáculo, mas a mudança da primeira parte para a segunda é marcada por uma movimentação inusitada da plateia, uma espécie de quebra do clima festivo que dominava o espaço até então.
“O público vivencia duas experiências: a primeira é essa grande celebração, quando Édipo tem esperança de fugir do próprio destino. Depois, as pessoas passam a acompanhar a tragédia em si, junto com o protagonista”, afirma o dramaturgo e ator Giordano Castro.
Mais tradicional, o segundo momento do espetáculo tem uma atmosfera completamente diferente do primeiro, com o público sentado e na função de espectador comportado das fatalidades encenadas. No palco, ficam os restos da balada e um ar de melancolia.
O “Rec” do título remete à função das câmeras de filmagem e às memórias de Recife ligadas ao cinema. Além disso, o grupo buscou várias referências audiovisuais, como os filmes “Édipo Rex”, de Pier Paolo Pasolini, “Funeral das Rosas”, de Toshio Matsumoto, “Hiroshima, meu amor”, de Alain Resnais; “Cinema Paradiso”, de Giuseppe Tornatore; e “Cabaret”, de Bob Fosse.
“O Édipo acredita tanto nessa projeção que criou para si mesmo, de que é um tirano, que não consegue mais enxergar a sua verdadeira essência”, afirma o diretor Luiz Fernando Marques, o Lubi, paulistano que está em sua quarta parceria com a companhia pernambucana. “O mesmo acontece hoje, já que as pessoas montam as suas vidas para as redes sociais, independente daquilo que estejam de fato vivendo”.
O espetáculo celebra os 20 anos do grupo Magiluth e foi criado com o apoio do Festival Internacional de Teatro de Caruaru (PE), que possibilitou um período de residência do grupo, com local de ensaio e pagamento aos artistas.
Outra releitura da tragédia grega, essa montada pela Cia Veneno do Teatro, está em cartaz na SP Escola de Teatro, no centro de São Paulo, com entrada gratuita.
“Hello, Édipo” mantém o enredo e os personagens originais, mas também dialoga com as artes contemporâneas ao incluir batuques, rap, poesia urbana e grafite na encenação, além de cenário, figurino e adereços confeccionados com material reciclado e a construção de um ambiente de confinamento, em que acontece um motim.
O dramaturgo, adaptador e diretor Bartholomeu de Haro usou pensadores do século 20 como referências: Sigmund Freud, Gilles Deleuze, Félix Guattari e, principalmente, Foucault e as conferências “As verdades e as formas jurídicas”, em que o filósofo questiona o conceito de verdade e analisa sua construção nas relações de poder.
“A trilogia de Sófocles –‘Édipo Rei’, ‘Édipo em Colono’ e ‘Antígona’– é genial e decidi adaptar e montar o texto com o olhar de Foucault, que escreveu sobre o nascimento do inquérito, com a peça como base desse estudo”, diz o diretor. “O Édipo visitado por Foucault esbarra na tirania. Minha adaptação dialoga com o nosso tempo porque os sistemas de poder estão em todas as instituições e, mesmo que organizem, também tolhem a liberdade de expressão gerando ‘escravos’ sem que percebam”.
A peça propõe a presença de personagens anônimos, vindos das ruas e guetos da cidade. Amotinados, eles decidem contar a tragédia, em uma relação que envolve os demais protagonistas e o público.
Édipo Rec
Quando: Quinta a sábado, 20h. Domingos, 17h. Exceto dias 6 e 27/10. Dia 12/10, sábado, 17h. Dias 9 e 23/10, quartas, 20h. Até 26/10
Onde: Sesc PompeiaPreço R$ 60 (inteira), R$ 30 (meia-entrada), R$ 18 (credencial plena)
Autoria: Giordano Castro
Elenco: Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Lucas Torres, Mário Sergio Cabral, Nash Laila e Pedro Wagner
Direção: Luiz Fernando Marques
Hello, Édipo
Quando: Sextas e sábados às 20h30; Domingos às 18h. Até 13/10
Onde: SP Escola de Teatro
Preço: Grátis
Autoria: Adaptação dramatúrgica de Bartholomeu De Haro
Elenco: José Sampaio, Sol Faganello, Silvio Restiffe, Elen Londero, Pedro Henrique Moutinho, Bartholomeu De Haro, Darília Ferreira, Ted ORey e Marina Soveral
Direção: Bartholomeu De Haro
CRISTINA CAMARGO / Folhapress