Boulos repete Lula e mede força com bolsonarismo em SP após derrota em 2020

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando Guilherme Boulos surgiu diante de sua casa, no Campo Limpo (zona sul), na manhã do último dia 16 de agosto, foi ativada a memória de uma outra cena no mesmo local, quatro anos antes.

Foi na sacada do imóvel que o candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo apareceu em 2020 após perder para Bruno Covas (PSDB). Acometido pela Covid-19, de máscara, o paulistano catapultado à vida política pela atuação no MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) reconhecia na ocasião a derrota eleitoral, mas contabilizava uma vitória política para si e a esquerda com a chegada ao segundo turno.

O Boulos que em 2024 saiu de mãos dadas com Marta Suplicy (PT), sua vice, para uma caminhada no primeiro dia de campanha oficial arrastava expectativas e responsabilidades muito maiores do que as do pleito municipal anterior —e que o acompanham até agora, na reta final do primeiro turno.

Se em 2020 sua candidatura foi uma espécie de azarona, ofuscando o rival petista Jilmar Tatto e conseguindo 40% dos votos válidos contra o então candidato à reeleição, desta vez o roteiro desde o início previa uma campanha com tudo a que se tem direito, mesmo que para isso fosse preciso se afastar de dogmas ideológicos. No pano de fundo, a pretensão de vingar 2020, repetir 2022 e antecipar 2026.

Por que uma disputa local estaria tão conectada às eleições gerais? A resposta é Luiz Inácio Lula da Silva.

A candidatura de Boulos seria outra ou talvez nem existisse sem as interferências do hoje presidente da República. Em 2022, ele precipitou o lançamento do aliado à prefeitura que Ricardo Nunes (MDB) herdou com a morte de Covas com um acordo. O PT daria apoio ao psolista, em troca de sua desistência de concorrer a governador para ajudar Fernando Haddad (PT).

O representante do PSOL topou abrir mão do Palácio dos Bandeirantes e buscar a vaga de deputado federal, terminando bem-sucedido com mais de 1 milhão de votos.

Haddad acabou derrotado no estado, mas ficou na frente na capital. O mesmo ocorreu com Lula no embate com Jair Bolsonaro (PL), o que levou estrategistas da esquerda a uma conclusão tida como óbvia: apostar no repeteco da briga presidencial, com desvantagem para a direita. A persistente rejeição ao ex-presidente na cidade era outro elemento animador.

Ainda por essa lógica, se Boulos, ungido por Lula, vira prefeito da maior cidade do país, é prenúncio de força para Lula ou quem ele indicar na disputa pelo Planalto —e, consequentemente, de um enfraquecimento de Bolsonaro, hoje inelegível. A fórmula, portanto, envolveria replicar a disputa narrativa de democracia versus autoritarismo.

Entre o plano e a véspera da eleição, porém, havia um detalhe chamado realidade.

Boulos fez o dever de casa. Procurou reunir condições políticas dentro e fora do partido para conferir estabilidade à sua candidatura e conseguiu unificar razoavelmente seu campo político. Movimentações para derrubar a candidatura de Tabata Amaral (PSB) foram infrutíferas.

Para combater a fama de mau, com os adjetivos de radical e invasor resultantes de 20 anos em invasões e protestos do MTST, iniciou meses antes uma operação intensiva a fim de suavizar a imagem. Passou a circular de terno e gravata, o que atribui às exigências do cargo de deputado e recentemente submeteu-se ao treinamento de mídia da consultora Olga Curado, conhecida por desarmar até os políticos mais duros.

Inteirou-se da infinidade de assuntos que cabem em uma prefeitura do porte da paulistana e procurou se cercar de especialistas e gestores das mais diferentes áreas para elaborar seu plano de governo.

Para compensar a inexperiência do aliado no Executivo, Lula sacou um artifício que julgou crucial: repatriar Marta ao PT para ser vice, passando por cima da conflituosa saída dela do partido e de posições antipetistas que encampou em seus anos de MDB — articulação revelada pela Folha de S.Paulo em novembro de 2023.

A jogada era tão insólita que o maior desafio não era nem vencer resistências internas, mas convencer a ex-prefeita, àquela altura secretária municipal de Relações Internacionais, a abandonar Nunes e pular no barco do maior rival. Nos primeiros dias de janeiro, o embarque estava concluído.

Marta, cujo governo foi considerado pelo eleitorado em março o melhor da cidade nos últimos 40 anos, segundo pesquisa Datafolha, deu como justificativa para a guinada a aproximação de Nunes com Bolsonaro, a quem se opõe.

Em agosto, no dia em que candidato e vice, de café tomado e sorridentes, saíram da casa dele para andar pelo bairro, Nunes e Boulos estavam isolados na liderança das intenções de voto no Datafolha (com 23% e 22%, respectivamente). José Luiz Datena (PSDB) e Pablo Marçal (PRTB) tinham ambos 14%.

Mas as semanas seguintes levaria ao derretimento do apresentador e à ascensão do influenciador, que por sinal escolheu Boulos como alvo, em sua tática de movimentar o antipetismo e o bolsonarismo. Com Marçal abocanhando parte considerável dos simpatizantes do ex-presidente, Nunes precisou reforçar seu elo com Bolsonaro, o que a campanha do PSOL celebrou.

Com o avançar da campanha, o cálculo feito lá atrás foi tropeçando no imponderável. Nunes dosou a presença de Bolsonaro e preferiu explorar como cabo eleitoral o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). A rejeição ao ex-presidente não foi transferida automaticamente para o prefeito.

Marçal, que num primeiro momento foi visto no entorno de Boulos como uma peça útil para dividir os votos da direita e desidratar Nunes, depois exigiu mais cautela. A disparada do influenciador em agosto o levou ao primeiro pelotão. O caminho foi tratá-lo como a outra face do bolsonarismo e bifurcar a guerra.

Lula, que disse a Boulos ser “tão candidato quanto ele”, não se fez presente tanto quanto se esperava. Nas semanas anteriores à votação desmarcou uma viagem à cidade e uma live, em meio ao esforço para convencer eleitores tradicionais do PT. Por outro lado, fez o partido mandar para a campanha R$ 30 milhões, quatro vezes mais que o total de recursos da candidatura em 2020.

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A CAMPANHA DE BOULOS EM 5 MOMENTOS

1. Rachadinha de Janones

Em maio, ainda na pré-campanha, o deputado votou pelo arquivamento no Conselho de Ética da Câmara da suspeita de rachadinha no gabinete do deputado André Janones (Avante-MG), tema usado por adversários para atacá-lo

2. ‘Des filhes deste solo’

A candidatura do PSOL deu de bandeja aos conservadores um motivo para ser criticada quando uma cantora adaptou trecho da letra do Hino Nacional durante um comício para a linguagem neutra, excluindo marcadores de gênero

3. Homônimo e drogas

A Folha de S.Paulo revelou em agosto que Marçal usava o processo judicial de um homônimo de Boulos sobre posse de drogas para insinuar, sem provas, que o adversário era usuário de cocaína e chamá-lo de ‘cheirador’

4. Antes da hora

Boulos e Lula foram condenados a pagar multa por pedido de voto antecipado do presidente em evento do 1º de Maio, ao dizer que faria um apelo a cada pessoa que o apoiou desde 1989 para ‘votar no Boulos para prefeito de São Paulo’

5. Tapa na carteira

Após Marçal chamá-lo de vagabundo e provocá-lo agitando uma carteira de trabalho na sua frente em debate em agosto, Boulos se irritou e tentou tirar o documento das mãos do rival, justificando depois não ter ‘sangue de barata’

JOELMIR TAVARES / Folhapress

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