Marçal aposta em factoides e chega ao dia D com falsificação de laudo e desafio da rejeição

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O som ritmado dos passos do grupo preenchia o esvaziado corredor do primeiro andar da Assembleia Legislativa de São Paulo naquela terça-feira de junho.

À frente, de terno azul e calça jeans, caminhava o influenciador Pablo Marçal (PRTB), que havia lançado sua candidatura à Prefeitura de São Paulo no mês anterior. Atrás, assessores, seguranças e videomakers compunham o séquito que o acompanhava.

A visita era o prenúncio de dois aspectos que marcariam a campanha do autodenominado ex-coach.

O primeiro, a capacidade de penetrar em círculos e no eleitorado bolsonarista mesmo que, oficialmente, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) apoie a reeleição do prefeito Ricardo Nunes (MDB), tendo indicado o ex-Rota Ricardo Mello Araújo (PL) como vice.

A despeito da orientação de Bolsonaro naquela semana para que políticos de seu grupo não fizessem qualquer endosso a Marçal, ele estava ali para visitar o gabinete da deputada Dani Alonso (PL), amiga de longa data anunciada na última semana como secretária de sua eventual gestão. Na sala dela, outros deputados bolsonaristas se reuniram furtivamente com o candidato.

O segundo aspecto tange ao uso maciço das redes sociais, nas quais Marçal conta com engajamento amplamente superior ao dos adversários. Na Assembleia, assessores filmavam cada passo em busca de conteúdo.

A lógica foi transposta do império digital construído pelo influenciador. Vendedor de cursos e mentorias com pitadas de autoajuda, Marçal ficou famoso a partir dos cortes –vídeos curtos nos quais ele aparece com alguma fala inusitada ou agressiva e que logo viralizam. Na campanha, o influenciador abusou das polêmicas com o objetivo de se tornar mais conhecido.

Nesta sexta-feira (4), a estratégia atingiu o ponto mais grave até aqui. Depois de ter passado meses prometendo que provaria que o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) é usuário de cocaína, Marçal chegou à véspera do pleito com o factoide esvaziado.

Foi derrubado primeiro por reportagem da Folha de S.Paulo, que revelou que ele se baseava em um réu homônimo para fazer a acusação. Depois, pelo próprio parlamentar, que contou que a internação no Hospital do Servidor mencionada pelo rival havia sido motivada por um episódio de depressão, e não por uso de entorpecentes.

Sem nada mais a mostrar, Marçal apelou para a falsificação de um laudo de uma clínica particular, cujo dono é próximo ao ex-coach. A Justiça determinou a remoção da postagem e a suspensão do perfil reserva do influenciador nas redes sociais. Boulos pediu sua prisão.

As provocações de Marçal ensejaram o clima bélico que marcou o período eleitoral, resultando na cadeirada que recebeu do apresentador José Luiz Datena (PSDB) e no soco desferido por seu assessor Nahuel Medina contra o marqueteiro de Nunes, Duda Lima.

A estratégia do confronto de fato impulsionou o crescimento do influenciador: hoje Marçal tem 24% das intenções de votos totais. Por outro lado, o ex-coach chega à véspera da eleição com a maior rejeição (53%), o que ameaça sua viabilidade para o segundo turno e, eventualmente, sua vitória.

A disparada do influenciador, que subiu cerca de 15 pontos percentuais em quatro meses —ele está hoje colado em Nunes (24%) e Boulos (27%)— logo acendeu o alerta em políticos da coligação do prefeito, que passaram a trabalhar para estancar seu crescimento.

Como a Folha de S.Paulo mostrou, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, aconselhou Marçal a desistir e construir com o partido uma candidatura ao Senado em 2026. Na reta final, o pastor Silas Malafaia buscou desidratá-lo entre os evangélicos, com ataques quase diários.

Mas foi o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), principal cabo eleitoral de Nunes, o político mais atuante na reação contra o dito ex-coach, em quem não confia. Tarcísio diversas vezes tentou convencer Bolsonaro, seu padrinho político, a manifestar apoio mais enfático ao prefeito.

Os esforços do governador, raramente respondidos pelo ex-presidente, não impediram Marçal de avançar sobre o eleitorado bolsonarista. Hoje o influenciador conta com 49% das intenções de voto entre o grupo, frente a 36% de Nunes.

Ao longo da campanha, Marçal ativou símbolos importantes para o segmento, como a defesa da família patriarcal, de uma vida regida por Deus e do livre mercado. Ele se vendeu como o único candidato que combate o sistema e conseguiu até mesmo posicionar Bolsonaro como um líder que se dobrou a ele.

O ex-presidente manteve uma relação de morde e assopra com o influenciador, desfazendo elogios após pressão de Tarcísio e de líderes partidários. Falas de Marçal que confirmaram a intenção de possivelmente concorrer à Presidência em 2026, ameaçando o espólio de Bolsonaro, também levaram o ex-mandatário a ensaiar críticas a ele.

Elas foram, porém, mal recebidas entre o próprio eleitorado do ex-presidente, que precisou recuar. Pela primeira vez, uma figura de direita que não se forjou no seio do bolsonarismo ameaçava a hegemonia de Bolsonaro entre seus eleitores, que não identificam em Nunes um líder desse campo político.

Nesta sexta, reta final da campanha, o ex-presidente afirmou que Marçal é “fofoqueiro” e “mente descaradamente”.

Enquanto o influenciador crescia nas pesquisas, escândalos envolvendo seu passado, sua candidatura e seu partido eram escrutinados.

No fim de agosto, a Justiça suspendeu pela primeira vez seus perfis nas redes sociais, após reconhecer indícios de que o empresário estaria cometendo abuso econômico ao promover recompensas financeiras para quem divulgasse cortes de vídeos. Marçal alega não ter remunerado ninguém durante o período eleitoral.

Também foi esmiuçada a condenação do influenciador por furto qualificado em 2010, envolvendo sua participação em uma quadrilha de golpes digitais em Goiás. Vieram à tona ainda supostas relações entre seu partido PRTB e o PCC, como um áudio revelado pela Folha de S.Paulo no qual o presidente da legenda, Leonardo Avalanche, diz manter laços com integrantes da facção.

Esses temas foram explorados incansavelmente na propaganda eleitoral de seus adversários no rádio e na TV, ferramenta com a qual não contou Marçal pelo pequeno porte de sua sigla. Mas, mesmo sob artilharia pesada, o influenciador manteve consistência nas pesquisas.

Nas últimas semanas, ele oscilou positivamente e se beneficiou de dois fatores —o fim da propaganda gratuita e o apoio público de figuras relevantes da direita, como os deputados federais Ricardo Salles (Novo) e Nikolas Ferreira (PL).

O resultado deste domingo (6) é imprevisível, mas o influenciador já bateu sua meta: o coach que fazia sucesso nas redes agora é conhecido do Campo Limpo a Itaquera como o personagem mais marcante da eleição de São Paulo em 2024. Para Marçal, os fins justificam os meios.

*

A CAMPANHA DE MARÇAL EM 5 MOMENTOS

1. Disparada no Datafolha

Ao fim de agosto, Marçal cresceu 7 pontos em duas semanas e chegou pela primeira vez ao empate técnico com Nunes e Boulos, intensificando a preocupação entre as campanhas adversárias

2. Briga com a família Bolsonaro

Bolsonaro e sua família mantiveram uma relação de morde e assopra com Marçal depois que ele ultrapassou Nunes entre o eleitorado bolsonarista. O ex-presidente primeiro o elogiou, mas recuou sob pressão de aliados, chamando-o de mentiroso. Marçal, por sua vez, xingou o vereador Carlos Bolsonaro de “retardado mental”. Na reta final, Bolsonaro voltou a criticar o influenciador, dizendo que ele “mente descaradamente”

3. Falsa acusação de uso de cocaína

Ao longo de toda a campanha, Marçal insistiu na falsa acusação de que Boulos é usuário de cocaína, afirmando que tinha um processo judicial e uma internação que serviriam como prova. A Folha, porém, revelou que ele se baseava em um réu homônimo para acusar o parlamentar de uso de drogas. Depois, o próprio deputado contou que a internação no Hospital do Servidor havia sido motivada por um episódio de depressão. Sem nada mais a mostrar, Marçal apelou nas vésperas da eleição para a falsificação de um laudo de uma clínica particular, cujo dono é próximo ao ex-coach

4. Suspensão das redes sociais

Marçal teve os perfis nas redes sociais suspensos ao fim de agosto. A Justiça viu indícios de que o empresário estaria cometendo abuso econômico ao promover cortes de vídeos produzidos por seus apoiadores com recompensas financeiras. Marçal alega não ter remunerado ninguém durante o período eleitoral. Na véspera da eleição, a Justiça suspendeu também o perfil reserva do ex-coach, depois que ele divulgou laudo médico falso contra Boulos

5. Cadeirada e soco

Provocativo e muitas vezes agressivo nos debates eleitorais, Marçal ensejou um clima bélico que resultou na cadeirada do apresentador José Luiz Datena contra ele no debate da TV Cultura e no soco desferido pelo seu videomaker, Nahuel Medina, no marqueteiro de Nunes, Duda Lima, no debate do Flow

ANA LUIZA ALBUQUERQUE / Folhapress

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