Começando na arena internacional, tivemos uma das maiores mudanças de cenários observada em décadas de análises. Como um tsunami, a crise do coronavírus bateu no planeta com efeitos trágicos como perdas de vidas e paralisia de atividades econômicas, sem precedentes na história recente da civilização. Numa mudança de ambiente que jamais tinha visto na carreira, uma nova norma surgiu: temos que dar uma parada no mundo e no Brasil e diminuir, drasticamente, a velocidade de transmissão do vírus, lutarmos todos visando evitar o sufocamento do sistema de saúde e uma perda maior de pessoas nos segmentos mais vulneráveis, os mais idosos e os que têm mais riscos.
Parar uma atividade não é simples, ainda mais quando se tem um mundo organizado em cadeias integradas de valor, com muitos produtos perecíveis de logísticas sofisticadas e sensíveis. Os impactos são brutais, a começar pelo setor de serviços, que tomba de imediato, seguido da indústria e, por fim, a agricultura, uma vez que a comida é a última coisa a ser cortada por quem perde o trabalho e a renda.
A Organização Mundial do Comércio (OMC) traz um cenário catastrófico. As trocas globais em 2020 cairiam numa faixa entre 5% a 30%, espalhando destruição de valor em produtores, compradores, transportadores e outros. Estimam que o PIB mundial, de uma expectativa anterior de crescimento ao redor de 3%, cairia de 5% a 6%, ou seja, 9 pontos de diferença. Seria uma queda maior que a observada na última crise mundial, em 2009. Além dos danos econômicos, tem a questão da retomada da confiança pelas pessoas e empresas, que pode ser muito lenta, afinal o vírus pode continuar a ameaçar. Quanto maior a participação percentual do setor de serviços no PIB, como disse no primeiro parágrafo, maiores os tombos. Segundo o Bradesco, a economia dos EUA encolhe 1,5%, a da China cresce 3% (era 6%), Europa cai 2,2%.
O mundo ajoelha-se ao vírus que muitas mudanças trouxe em curto espaço de tempo e ainda trará. O agro em geral será um dos setores menos atingidos, mas isso não vale para todas as cadeias produtivas e todos os setores, como veremos a seguir.
Uma das atividades que saiu à frente tendo benefícios na crise foi a dos supermercados, uma vez que houve uma mudança brutal do canal de vendas de alimentos, indo dos restaurantes, fast-food e outros tipos do chamado foodservice para o canal supermercadista. São números que impressionam. Na Inglaterra, o consumo em supermercados aumentou em 361 milhões de libras por semana, ao redor de 13 libras por casa por semana, um crescimento de 21% (Blacktower). Varejistas ingleses estão contratando milhares de pessoas, devido ao aumento da demanda, quase 45 mil vagas oferecidas. Nos EUA, a empresa de pesquisa Chicory levantou um crescimento de 123% nas vendas on-line de supermercados, comparando com o mesmo período do ano anterior. Para os restaurantes, um cenário desolador.
Confirmando o que havia dito nas duas análises anteriores, a China, que está em estágio mais avançado no combate ao coronavírus, vai recompondo suas importações com uma política de elevação de estoques, consumidos durante os meses de parada. Porém, como parte dessa crise, a China exportadora vai sofrer com a redução do crescimento mundial e menores importações. Deve entrar firme comprando carnes e outros produtos do agro brasileiro neste semestre, sendo um fator positivo para nós, levantando os preços da arroba no Brasil e também das outras carnes. Frigoríficos que pararam (estima-se cerca de 5 a 10% da capacidade) deverão afiar as facas e cortar novamente.
Outra tendência que deve ganhar muita força é o aspecto sanitário dos alimentos, ainda mais depois dessa crise sanitária, e o Brasil deve investir pesadamente nos mecanismos de controles, sejam públicos ou privados, para garantir a segurança dos alimentos para os mercados internos e externos.
O tsunami atinge o Brasil também violentamente. Já desanimados com os impactos do Coronavírus, o novo Boletim Focus vem com incrível tombo, talvez a maior variação já vista em um mês. O PIB passou de crescimento de 1,48% para queda de 0,48% neste ano, permanecendo em 2,5% para 2021. O IPCA também caiu de 3,04% para 2,94%, ficando ao redor de 3,6% em 2021. No câmbio a projeção é de R$/US$ 4,50 para 2020 e R$/US$ 4,30 para 2021, sempre considerando o final do ano. A Selic deve encerrar este ano a 3,5% e em 2021 em 5,0%. O destaque aqui é a queda sem precedentes da taxa de juros, ou seja, o custo do dinheiro caiu muito, resta saber de sua disponibilidade, uma vez que a incerteza e a desconfiança subiram muito e a concessão travou. Segundo o Bradesco o PIB do Brasil cai 1,2%, com serviços caindo 1,2%, indústria caindo 0,8% e agricultura crescendo 1%.
Neste momento de incerteza, o campo nos brinda com notícias animadoras. A Conab traz em seu boletim de março uma expectativa de produção 251,9 milhões de toneladas de grãos, crescimento de 4,1% em comparação à safra passada, quase 9,9 milhões de toneladas incrementais. Já para área cultivada, espera-se um crescimento de 2,4%, chegando a 64,78 milhões de hectares. Soja deve bater recorde de produção devido as boas condições climáticas, chegando a 124,2 milhões de toneladas com incremento de 2,6% da área. A área com algodão deve crescer 3,3%, enquanto que milho segunda safra aumenta 2,1%. A primeira safra de milho registrou incremento de 3,2% na área e deverá produzir 25,6 milhões de toneladas. Aparentemente a chuva vem caindo na segunda safra de milho, que é absolutamente importante neste momento.
Na carona desses bons preços em reais e da produção citada pela CONAB, o MAPA aponta para um valor bruto da produção de 2020 estimado em R$ 683 bilhões (8,2% acima do valor de 2019). De fevereiro a março, a estimativa subiu praticamente R$ 9,1 bilhões. Deve subir ainda mais com esse novo patamar do Real (desvalorizado). Nas lavouras esperam-se R$ 448,4 bilhões sendo gerados (9% a mais), sendo que na soja deveremos ter R$ 160,2 bilhões (16% a mais). Milho também cresceu 15%, chegando a R$ 74 bilhões. Nas cadeias da pecuária, o valor está em R$ 234,8 bilhões, sendo R$ 1,3 bilhão menor que a última projeção, mas ainda assim quase 7% maior que o ano passado. Imaginemos o Brasil doente e ainda sem a geração desse caixa, dessa renda, como estaria a situação.
Devido ao fechamento de alguns portos na Ásia e outras restrições, era esperado queda em nossas exportações neste início de ano. Fechamos fevereiro com US$ 6,41 bilhões (MAPA), caindo 6,3%. As importações do agro caíram (11,2%), e o superávit cai para US$ 5,35 bilhões (5,2% menor que fevereiro de 2019). Grãos e produtos florestais perderam um pouco, apesar das carnes subirem 11,3%. Temos que correr atrás, pois no acumulado do ano estamos em 8% abaixo do primeiro bimestre de 2019. Foram US$ 12,27 bilhões vendidos. Vejam que importante monitorar o comportamento da China, pois quase 31% das nossas vendas foram lá. A Ásia teria que compensar possíveis perdas na Europa neste ano.
Na soja e no milho temos situações bem confortáveis. Beneficiados pelo câmbio e por esses aspectos de consumo, os preços estão remuneradores e boa parte das produções vendidas já foram fixadas, portanto não são fonte de preocupação neste momento dos impactos do Covid-19. Devem até ter uma demanda maior para rações com o aumento das exportações de carnes. Lembremos também que muitos agricultores fizeram compras antecipadas de insumos, portanto uma estratégia vitoriosa em tempos de real mais valorizado. Estamos colhendo a nossa melhor safra de soja da história, praticamente concluída, e no milho podemos chegar a 100 milhões de toneladas. Os estoques de ambos nos EUA estão um pouco mais baixos.
Neste março foi batido o recorde histórico de embarque de soja num mesmo mês, com um total de 13,3 milhões de toneladas. Neste ano já embarcamos 21,4 milhões de toneladas, 17% a mais que o primeiro trimestre de 2019. Somente em março a China originou praticamente 10 milhões de toneladas (47% a mais que março de 2019). No trimestre, os chineses compraram 16 milhões de toneladas, 17% a mais que no ano anterior.
Negativo foi ao algodão, que teve queda de preços devido ao coronavírus (17% em março) e a postergação de compras de produtos têxteis, aliada ao menor preço do petróleo e maior competitividade da fibra sintética. Mas boa parte da safra que vem já foi fixada a preços mais remuneradores e também tem o câmbio jogando a favor. Mas perde um pouco de consumo, conta a ser paga mais adiante.
Outro perecível que merece atenção é o leite, o qual soluções criativas também precisam ser pensadas para se evitar a perda do produto, cuja cadeia de suprimento é extremamente perecível e não conta com folga alguma. Teoricamente o consumo não é para cair, mas questões de logística preocupam.
O fato é que a crise do coronavírus nos mostrará um mundo diferente, podendo trazer maior solidariedade global e integração entre sociedades, algo meio esquecido. Momento de calcular mais os riscos, ter mais flexibilidade e adaptação, mais cuidado com o que foi chamado nestes dias de infotoxicação, ou seja, o excesso de informações falsas, alarmistas, desencontradas, que só prejudicaram as pessoas. Um novo aprendizado virá e novas pessoas vão se sobressair, e no geral sairemos desta com um aumento da nossa capacidade analítica. Simplicidade será a bola da vez.
Os cinco fatos do agro para acompanhar agora diariamente (talvez não diariamente, mas a cada hora) em abril são:
- Os impactos do coronavírus na economia mundial, nas nossas exportações do agronegócio e nos preços das commodities;
- Os graves impactos do coronavírus na economia brasileira e o andamento dos problemas, das operações logísticas, a governança política e a gestão da crise instalada;
- O comportamento do clima na segunda safra de milho, não podemos ter problema na oferta;
- China e Ásia: seguir as notícias dos impactos da peste suína africana na produção da Ásia nos preços e quantidades de carnes importadas do Brasil. Assunto ficou meio esquecido com a crise do coronavírus, mas segue presente;
- Expectativas da safra a ser plantada nos EUA e os destinos do milho que não será usado para etanol.