SÃO CARLOS, SC (FOLHAPRESS) – O Prêmio Nobel em Fisiologia e Medicina de 2024 vai para os americanos Victor Ambros e Gary Ruvkun. O trabalho da dupla levou à descoberta de pequenas moléculas chamadas microRNAs e seu papel na ativação e desativação de trechos do material genético. Trata-se de um processo fundamental para o desenvolvimento do organismo e o funcionamento das células, e que também tem implicações para a compreensão das origens do câncer.
Ambros trabalha na Escola Médica da Universidade de Massachusetts, em Worcester (costa leste dos EUA), enquanto Ruvkun é ligado ao Hospital Geral de Massachusetts e à Escola Médica da Universidade Harvard, em Boston. Os dois chegaram a ser pesquisadores de pós-doutorado no mesmo laboratório no início de suas carreiras, e as descobertas que agora lhes renderam a láurea aconteceram originalmente nos anos de 1993 e 2000.
O anúncio, transmitido ao vivo pelo YouTube, foi feito às 6h30 (horário de Brasília) no Instituto Karolinska, em Estocolmo. Além da honra associada à premiação máxima da ciência mundial, o vencedor recebe uma medalha, um diploma e o montante de 11 milhões de coroas suecas (o equivalente a US$ 1,06 milhão ou R$ 5,78 milhões). Na premiação deste ano, cada ganhador dividirá metade do valor.
Os primeiros indícios da presença e do funcionamento dos microRNAs vieram com estudos a respeito do C. elegans, um verme minúsculo que historicamente foi essencial para a compreensão do desenvolvimento dos animais.
Tanto Ambros quanto Ruvkun estavam estudando mutações (alterações no DNA) que causavam problemas de desenvolvimento no C. elegans. Estudos mais aprofundados conduzidos por eles revelaram alguns detalhes curiosos: as regiões de DNA ligadas às alterações não funcionavam da maneira esperada pelos cientistas na época.
Acreditava-se então que a função primordial do DNA era abrigar os genes, trechos de “letras” químicas que correspondem à receita para a produção de proteínas. Cada gene, nessa visão, corresponderia a uma única proteína, a qual, ao ser produzida pelo organismo, desempenharia uma função específica na célula.
Antes da produção das proteínas, há ainda um passo intermediário. O gene é transcrito numa versão equivalente em mRNA (RNA mensageiro), uma molécula “prima” do DNA. É essa versão transcrita em mRNA que serve de base para a produção das diferentes proteínas celulares.
No caso dos C. elegans com problemas de desenvolvimento, os ganhadores do Nobel deste ano até identificaram um gene propriamente dito ligado ao processo, designado com a sigla lin-14. Mas eles perceberam também a presença de um trecho de DNA que não servia como receita para uma proteína, mas correspondia apenas a um trecho curto de RNA com só 20 e poucas “letras” químicas. Esse pedaço recebeu a designação de lin-4.
O que acontecia é que esse trechinho de RNA interagia com uma porção do mRNA correspondente ao lin-14, o gene propriamente dito. Com isso, o mRNA do gene era silenciado, ou seja, não dava mais origem a uma proteína. Ou seja, aquilo parecia ser um mecanismo de regulação pós-transcricional ou seja, posterior à transcrição do DNA em RNA.
Em tese, aquilo poderia ser algo exclusivo dos C. elegans, mas estudos posteriores mostraram que os microRNAs com atuação similar ao lin-4 existiam numa grande variedade de seres vivos, inclusive nos seres humanos. Na nossa espécie, eles parecem regular a atuação de 60% dos genes. Além disso, alterações nas sequências de DNA que contêm a receita para a fabricação deles também estão associadas a doenças, como o câncer, o que aumenta ainda mais a importância de estudá-los.
HISTÓRIA DO NOBEL
O prêmio foi criado pelo milionário e inventor sueco Alfred Nobel (1833-1896), que deixou em testamento um fundo para financiar honrarias a personalidades que oferecessem “os maiores benefícios à humanidade”. Os prêmios originais eram para as áreas de medicina, física, química, literatura e paz. O prêmio para a área de economia foi acrescentado nos anos 1960 pelo banco central sueco.
Em 2023, o prêmio foi dividido pela húngara-americana Katalin Karikó e pelo americano Drew Weissman, cujo trabalho permitiu a criação das vacinas de mRNA (RNA mensageiro) contra a Covid-19, provavelmente a contribuição mais importante para controlar a pandemia da doença.
Já em 2022 a láurea teve apenas um ganhador, o sueco Svante Pääbo, coordenador da decifração do genoma de parentes extintos do ser humano, os neandertais e os denisovanos.
Considerando a edição de 2024, o Nobel de Medicina foi entregue 115 vezes na história. Ao todo, desde 1901, foram laureadas 229 pessoas.
Frederick G. Banting (1891-1941) foi a mais jovem a recebê-lo, aos 31 anos. O canadense o dividiu em 1923 com o escocês John Macleod (1876-1935) pela descoberta da insulina. À época, ambos eram ligados à Universidade de Toronto.
Peyton Rous (1879-1970), por sua vez, é o mais velho: o conquistou aos 87 anos. O americano, à época na Universidade Rockefeller, ganhou a láurea em 1966 com o canadense Charles Brenton Huggins (1901-1997), então na Universidade de Chicago. O primeiro pela descoberta de vírus indutores de tumores e o segundo por achados acerca do tratamento de câncer de próstata.
REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress