Cotado para a Copa de 1950 e hoje abandonado, estádio de Campinas (SP) vai a leilão

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O coordenador administrativo Celso Franco de Oliveira Filho, 61, ainda lembra da camisa tricolor usada pelo pai, Celso como ele, guardada no armário. Foi com o manto azul, vermelho e amarelo que o zagueirão se impôs aos atacantes adversários no gramado daquele que foi apontado como um dos mais importantes estádios de futebol do interior do país na década de 1940, o campo da Mogiana, em Campinas (SP).

Construído pela Companhia Mogiana de Estradas de Ferro para o time de futebol dos funcionários da empresa, o Esporte Clube Mogiana, o estádio Dr. Horácio Antônio da Costa, hoje com ares de abandono, vai a leilão nesta terça-feira (8).

O lance mínimo, de R$ 28,6 milhões, contempla os 26,5 mil m² do terreno, com toda a sua degradada estrutura, inclusive a quadra de piso ladrilhado onde a Mogiana foi campeão campineiro de basquete.

Inaugurado em 14 de junho de 1940, o estádio foi considerado um dos mais modernos do país, comparado ao Pacaembu, em São Paulo, e a São Januário, no Rio de Janeiro.

O historiador José Moraes dos Santos Neto conta que ele chegou a ser sondado para receber jogos da Copa do Mundo de 1950. “Era realmente muito bonito”, diz.

O equipamento, no bairro Jardim Guanabara, rebatizado como Cerecamp (Centro Esportivo e Recreativo de Campinas Dr. Horácio Antônio da Costa), pertence ao governo estadual desde a década de 1970. Foi interditado em janeiro do ano passado por causa das más condições estruturais, segundo a Secretaria de Esportes do Estado.

Para justificar a venda do complexo esportivo, que encontra-se ocioso, a Secretaria de Gestão e Governo Digital cita um decreto que define diretrizes e ações para modernização da administração pública estadual.

“Um dos eixos deste plano é expansão do investimento por meio da alienação onerosa”, afirma o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), dizendo que irá otimizar recursos públicos “para promover o desenvolvimento urbano, econômico e de políticas públicas na região”.

Como o local é tombado em duas instâncias, pelo Condepacc (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Cultural de Campinas), municipal, e pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico), estadual, o futuro comprador terá uma série de restrições para mexer no local.

Será necessário preservar o campo de futebol e as duas arquibancadas, cujo ferro usado para a construção é de trilhos de trem da antiga empresa férrea.

O processo do Condepacc, publicado em 2019, alerta que futuros projetos devem levar em consideração que originalmente os vestiários eram cobertos com telha francesa, entre outros.

Um vídeo gravado com drone e publicado pela empresa de leilão contratada pelo governo para fazer a venda, mostra o gramado ainda verde, mas com marcas de terrão, e as duas traves.

Para apaixonados pela história do futebol, tão importante quanto manter a estrutura física em pé é não deixar morrer o legado do lugar construído pela companhia férrea com ajuda de funcionários para o time da empresa nascido em 1933 (há registros de que a bola já rolava entre os trabalhadores desde 1906).

Tijolos e ferros eram levados de trem até a estação Guanabra, que fica próxima. “Há uma imagem de um vagão com materiais próximo da arquibancada da geral”, afirma Celso Franco, pesquisador da história do clube.

O placar mecânico, diz, atendia tanto aos jogos de futebol quanto aos de basquete. As torres de luz eram uma modernidade para a época, principalmente no interior. Nas arquibancadas cabiam 10 mil pessoas.

O nome Horácio Antônio Costa é uma homenagem ao engenheiro que foi um dos incentivadores da construção do estádio e que ganhou um busto lá.

Autor do livro “Fora dos trilhos: a História do EC Mogiana”, Celso conta que, na inauguração da iluminação do estádio, em 1946, Baltazar, o Cabecinha de Ouro, como era chamado um dos mais importantes jogadores da história do Corinthians por ser um exímio cabeceador, marcou os três gols alvinegros na vitória por 3 a 1 sobre o Tricolor Ferroviário.

“Jogaram Fluminense, Botafogo, Palmeiras, Corinthians e São Paulo, entre tantos outros grandes do país, e até times internacionais, como Libertad e Sol de América, ambos do Paraguai”, diz Celso.

Guarani e Ponte Preta disputaram ali dez dérbis —cada um venceu cinco partidas.

O estádio foi palco do primeiro jogo noturno do futebol campineiro, entre Mogiana e Corinthians, em 1946, e para o primeiro dérbi noturno entre Guarani e Ponte Preta, em 1948, lembra o jornalista Gustavo Maia Magnusson, 27, que mantém um canal no YouTube sobre o clube.

“O estádio é um lugar mágico e encantador, com particularidades únicas em sua estrutura que nos transportam de volta ao passado”, diz.

Craques do futebol brasileiro jogaram no estádio, como Leônidas da Silva, artilheiro da Copa do Mundo de 1938, Domingos da Guia, Jair Rosa Pinto, Dino Sani e Bellini.

O Tricolor Ferroviário disputou divisões intermediárias do futebol paulista e encerrou suas atividades no fim da década de 1960, no amadorismo.

O estádio passou a ser usado pelo liga amadora da cidade, foi a casa do Gazeta (time amador) e do Campinas, clube montado pelos ex-atacantes Careca e Edmar nos anos 1990. Mais recentemente, o Red Bull Brasil mandou seus jogos no estádio do Jardim Guanabara.

Questionada sobre a possibilidade de tornar o Cerecamp em patrimônio municipal, a Prefeitura de Campinas nega o interesse e afirma que há outras opções de lazer no entorno, explicação semelhante dada pela Secretaria de Esportes do Estado.

“Ele [o estádio] representa a memória ferroviária da cidade”, diz o historiador Neto. “Realmente é triste a falta de perspectiva da valorização da memória histórica.”

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DATAS HISTÓRICAS

1872

Nascimento da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, com sede em Campinas

29.jun.1933

Definição do local

7.set.1936

Lançada pedra fundamental para construção do estádio

14.jul.1940

Inauguração do Estádio Dr. Horácio Antônio da Costa, o campo da Mogiana, com o empate de 1 a 1 com o Uberaba Sport Clube

18.nov.1969

Última vez que o Mogiana entrou em campo, vencendo o S.C. Corinthians, de Campinas, já no amadorismo, por 1 a 0

8.jun.1971

Fim das atividades do clube

1971

A Companhia Mogiana de Estradas de Ferro é incorporada à Fepasa (Ferrovias Paulista S/A)

12.jan.2011

Red Bull Brasil 3 x 1 Athletico-PR, pela Copa São Paulo de juniores, o último jogo disputado no estádio

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DIRETRIZES DE PRESERVAÇÃO DO CERECAMP

Condephaat (processo de tombamento nº 65338/2011; resolução de tombamento SC nº 07, de 24/2/2002)

1 – Campo de futebol

2 – Arquibancada central

3 – Arquibancada sudoeste

4 – Casa do administrador

Condepacc (Processo de Tombamento nº 02/2013; decisão do Colegiado pelo tombamento em 07/11/2019; publicação da decisão no Diário Oficial do Município de 6/12/2019

1 – Preservar a guarita da entrada principal do Esporte Clube Mogiana, com todos os elementos que a compõem

2 – Preservar os guichês da bilheteria, as três aberturas e cinco metros do muro após a última abertura, no sentido av. Barão de Itapura

3 – Preservar o desenho da calçada, em pedra portuguesa, no limite do muro citado no item 2

4 – Preservar a arquibancada oeste, com seus elementos decorativos, no que tange à construção inicial (anos 1930)

5 – Preservar o campo de futebol

6 – Preservar a pista de atletismo em volta do campo de futebol

7 – Preservar as quatro torres de iluminação

8 – Preservar a Quadra de basquete/vôlei, com suas arquibancadas, tribuna e pisos

9 – Preservar o mirante, local da tribuna da imprensa

10 – Preservar os vestiários em suas fachadas, volumetria, elementos internos e cobertura — em relação à cobertura, futuros projetos devem levar em consideração que originalmente os vestiários eram cobertos com telha francesa

11 – Preservar a enfermaria em suas fachadas, volumetria e cobertura

12 – Preservar o local do campo de bocha e do bar

Fonte: Prefeitura de Campinas

FÁBIO PESCARINI / Folhapress

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