Avião fica sem combustível do futuro bem no dia de lançamento no Brasil

SÃO PAULO, SP, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Enquanto o presidente Lula (PT) sancionaria a lei do Combustível do Futuro, nesta terça-feira (8), na Base Aérea de Brasília, pousaria no mesmo evento um avião da Azul movido a combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês). Seria a demonstração prática do novo mundo aberto pela legislação –mas a cena teve que ficar na imaginação.

A Azul não conseguiu SAF para abastecer o avião, em uma demonstração de que entre expectativa e realidade no tema ainda há uma grande distância. De acordo com especialistas, será preciso mobilizar investimentos para equilibrar oferta e demanda pelo produto e tornar os preços competitivos.

Segundo a idealizadora do voo, a Ubrabio (União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene), o avião da Azul faria a rota doméstica até a capital federal a partir de Campinas, no interior de São Paulo, usando exclusivamente combustível sustentável.

O Brasil, apesar de ser uma promessa nessa área, não tem produção de SAF, e a Azul buscou o produto tanto com empresas que já fazem a comercialização no mundo como com outras companhias aéreas. Procurada pela reportagem para detalhar o périplo, a companhia aérea não respondeu até a publicação deste texto.

“A ideia do voo era demonstrar que o Brasil pode e deve utilizar e produzir combustíveis renováveis”, explica Donizete Tokarski, CEO da Ubrabio.

“A Azul tentou de todas as formas conseguir o SAF para esse momento simbólico, mas as empresas que produzem não têm flexibilidade –não podem tirar parcela do combustível de um contrato, que é feito de longo prazo, para passar para outro cliente. O Brasil precisa incentivar os investimentos nessa área.”

Até o momento, o país apenas tangencia a rota global de SAF. Segundo dados da Iata (sigla em inglês para Associação Internacional de Transporte Aéreo), há no mundo 38 fabricantes do combustível. As cinco empresas com maior capacidade de produção estão no hemisfério Norte: Neste (Finlândia), Philips 66 (EUA), World Energy (EUA), TotalEnergies (França) e ENI (Itália).

No conjunto, essas unidades poderiam produzir mais de 9 milhões de toneladas do produto, mas a maior parte ainda são plantas-piloto sem indicação clara de quanto são capazes de entregar.

As produtoras com maior volume contratado, destaca a entidade, estão nos Estados Unidos. São elas: Gevo, Fulcrum, Alder Fuels, Cemvita e USA Bioenergy.

Já as companhias aéreas com mais contratos de compra são United Airlines (EUA), Southwest Airlines (EUA), Delta (EUA), OneWorld (aliança entre diferentes empresas) e Lufthansa (Alemanha).

Clauber Leite, diretor de energia sustentável e bioeconomia do Instituto E+ de Transição Energética, que acompanha a implantação de novas tecnologias no setor, diz que a indústria do combustível sustentável de aviação ainda se encontra no seu estágio inicial e que o Brasil ainda não perdeu a janela de oportunidade.

“O país, por meio de seu potencial em bioenergia e eletricidade renovável, apresenta as condições naturais propícias para canalizar insumos para a produção de SAF”, afirma.

Apesar disso, ele cita dificuldades a serem superadas. “Para que esse potencial se realize, o país deve ter papel ativo na formulação de certificações, padrões e métricas globais. Assim, evitaria o surgimento de um mercado que descarte suas particularidades.”

Atualmente, o combustível tradicional das aeronaves é o QAV (querosene de aviação). A mesma Iata destaca que foram consumidos no ano passado 300 milhões de toneladas de combustível de aviação, que responderam por cerca de 3,5% das emissões de gases de efeito estufa.

A proposta do setor é estabelecer metas de redução de emissões com a adoção de SAF, fazendo a substituição gradativa. A OACI (Organização de Aviação Civil Internacional) já lançou metas para rotas globais dentro do Corsia (esquema de compensação e redução de carbono para a aviação internacional, em inglês). A iniciativa tem potencial de resolver grande parte das emissões, uma vez que os voos internacionais representam 65% do consumo de querosene de aviação.

A adoção do programa global está na fase voluntária. Passa a ser obrigatório a partir de 2027. A Lei do Combustível do Futuro adota premissas similares para o mercado doméstico brasileiro.

No Brasil, dois parques de bioenergia da Raízen, do grupo Cosan, no interior de São Paulo, estão certificados dentro do Corsia para atuar na cadeia do SAF –Costa Pinto, em Piracicaba, e Gasa, em Andradina. A empresa já exporta etanol certificado para a produção de SAF nos EUA.

“A fixação de metas ajuda a entender o tamanho do mercado e a calibrar investimentos”, explica Amanda Ohara, especialista em transição de combustíveis no ICS (Instituto Clima e Sociedade), entidade que identifica um enorme potencial de descarbonização com o SAF e acompanha as iniciativas.

Ohara diz que, no estágio atual, o SAF tem uma perna no laboratório e outra no mercado. Uma das preocupações é garantir que o combustível seja de fato sustentável.

Oito tipos de produção, conhecidas como rotas tecnológicas, estão autorizadas, mas três são mais discutidas pelo potencial comercial: à base de óleos vegetais (Hefa), etanol (ATJ) e com hidrogênio de baixo carbono (FT), sendo que o Brasil está pronto para atuar nas duas primeiras.

Os europeus, no entanto, ainda se opõem ao uso da bioenergia e a rotas associadas ao cultivo, pelo risco de desmatamento e a concorrência com produção de alimentos. A reunião do G20 da área de energia, em Foz do Iguaçu (PR) , na semana passada, avançou nessa discussão, propondo a criação de certificações internacionais que podem levar a União Europeia a reavaliar essa resistência.

Em entrevista à Folha durante o evento, a secretária do Departamento de Energia dos Estados Unidos, Jennifer Granholm, afirmou que a quantidade de SAF produzida hoje em todo o mundo é apenas uma pequena fração do valor demandado. Ela diz que, por isso, há espaço para todos aproveitarem o mercado.

“Não estamos produzindo nem um centésimo do SAF necessário. E não é apenas para aviação, mas também para navegação, para indústrias pesadas [e outras destinações]. Achamos que há demanda suficiente por tecnologias limpas para todos e queremos que nossos aliados estejam conosco na produção dessas soluções limpas”, afirmou.

ALEXA SALOMÃO E FÁBIO PUPO / Folhapress

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