SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Grupos neonazistas encontraram um novo refúgio após a prisão do dono do Telegram, Pavel Durov, e a prisão de nacionalistas brancos que usavam o aplicativo de mensagens.
Estudo do Institute for Strategic Dialogue (ISD) aponta que esses grupos extremistas começaram a migrar para um aplicativo de mensagens chamado SimpleX, que é criptografado de ponta a ponta, não exige a criação de nome de usuário e permite usuários entrarem em grupos como “incógnitos”, dificultando qualquer rastreamento.
No final de setembro, Durov, presidente e fundador do Telegram, aplicativo de mensagens baseado nos Emirados Árabes, informou que a empresa começaria a colaborar com autoridades locais e compartilharia dados como IP de contas sob investigação. O Telegram era conhecido por ignorar ordens judiciais e pedidos de compartilhamento de dados vindos de autoridades governamentais. No Brasil, o ministro Alexandre de Moraes determinou o bloqueio do Telegram em 2023 porque a empresa não tinha representante legal no país e não cumpria ordens judiciais.
Com suas promessas de privacidade total, liberdade de expressão e não colaboração com governos, o Telegram arrebanhou 950 milhões de usuários no mundo. O aplicativo tornou-se um dos favoritos entre traficantes de drogas, supremacistas brancos e canais de imagens de violência sexual.
A plataforma mudou de rota após Durov ser preso na França, em agosto, acusado pela Justiça francesa de conivência em crimes de tráfico e disseminação de pornografia infantil no aplicativo. Durov foi liberado, mas terá de permanecer na França durante a investigação. Promotores afirmam que ele preside uma empresa que se recusou a compartilhar dados para ajudar em rastreamento de suspeitos de crimes.
Ele nega as acusações.
Após a prisão de Durov, o aplicativo anunciou que passaria a fazer moderação, com auxílio de inteligência artificial, para ocultar conteúdos ilegais dos resultados de busca, além de colaborar com autoridades.
A migração para o SimpleX se intensificou em setembro, quando um grupo de aceleracionistas neonazistas anunciou a transição do Telegram para a nova plataforma.
Os aceleracionistas pregam o colapso da sociedade ocidental, por meio de atentados e guerra racial, para proteger os cristãos brancos que estariam sob ameaça da imigração.
O atirador de Christchurch, que matou 51 pessoas em uma mesquita e um centro islâmico na Nova Zelândia, em 2019, identificava-se como aceleracionista.
Outro fator que impulsionou a debandada do Telegram foi a prisão de dois líderes do chamado Terrorgram no início de setembro. Segundo a Liga Anti-Difamação, o Terrorgram é uma rede de supremacistas brancos, neonazistas e aceleracionistas que mantêm canais, principalmente no Telegram, para promover o terrorismo, incentivar “lobos solitários”, compartilhar manuais para fazer bombas e hackear computadores,
No Brasil, esse êxodo de extremistas e promotores de pedofilia do Telegram ainda não é visível, segundo Thiago Tavares, presidente da SaferNet Brasil. “Estamos vendo a multiplicação de grupos no Telegram de agressores sexuais, de venda de imagens de abuso sexual de crianças e de serviços de deep nudes [manipular imagens de pessoas]”, diz Tavares. Segundo ele, a cada 10 grupos de agressores sexuais no Telegram, há 2 no Signal e 1 no WhatsApp. Em 2024, a SaferNet Brasil recebeu apenas 2 denúncias ligadas ao SimpleX.
Procurado, o SimpleX não respondeu a pedido de entrevista da Folha. As políticas do aplicativo proíbem “comunicações ilegais”. À revista Wired, o fundador do SimpleX, Evgeny Poberezkin, disse não ter conhecimento da migração de grupos e canais extremistas e afirmou que a plataforma, apesar de focada em privacidade, tem como combater a disseminação de conteúdo terrorista ou de abuso sexual. Jack Dorsey, o criador do Twitter (atual X), é um dos investidores do SimpleX.
PATRÍCIA CAMPOS MELLO / Folhapress