FOZ DO IGUAÇU, PR (FOLHAPRESS) – Dos US$ 2 trilhões sendo investidos pelo mundo em energia limpa em 2024, 85% estão em países desenvolvidos. Apenas 15% estão em todo o restante do planeta, que abriga 65% da população mundial.
A concentração em países ricos está nos dados fornecidos pela Agência Internacional de Energia e é o maior problema observado pelo diretor-executivo da entidade, Fatih Birol, nas discussões do setor.
Ele vê necessidade de aceleração de projetos no Brasil, especialmente em hidrogênio verde, e vê risco de serem criados dois mundos com matrizes energéticas separadas, uma limpa e outra suja mas ambos sofrendo as consequências do aquecimento global.
“Há muitos problemas [na transição energética]. Mas se eu tivesse que escolher um deles, é o de não haver investimento suficiente em energia limpa em países em desenvolvimento”, afirma à Folha durante as reuniões de energia do G20. “Se o mundo levasse a sério a tarefa de evitar os impactos negativos do clima, não estaríamos nesta situação”, diz.
“As emissões de Detroit, Tóquio ou São Paulo têm o mesmo efeito para todos, porque elas não têm passaporte. Se forem eliminadas [apenas] nos países ricos, não importa. O importante são as emissões globais. Isso [concentração] não vai parar a mudança climática”, diz.
Uma das tecnologias mais promissoras para a descarbonização global é o hidrogênio verde, com o qual o Brasil pode ter uma grande vantagem devido à abundância de energia limpa. Birol, no entanto, diz que o país precisa acelerar os investimentos nessa área.
“O Brasil deve levar o hidrogênio ainda mais sério, especialmente hidrogênio verde. Nós precisamos de muito mais investimento para o hidrogênio verde no Brasil”, afirma.
O alerta é feito em meio a aumento de investimentos do tipo em outros lugares. A Agência publicou nos últimos dias um relatório em que elevou (em relação a um ano antes) em 30% a estimativa de produção do hidrogênio formulado com baixas emissões até 2030.
Birol defende os investimentos mesmo não vendo esse mercado como uma realidade consolidada já nos próximos anos. “Não acho que o hidrogênio no Brasil ou na América Latina tenha uma grande participação na energia antes de 2030, porque ainda há grandes diferenças de custo entre o hidrogênio e outras tecnologias. Mas para o futuro é muito importante, e o Brasil tem muito potencial dada a riqueza de fontes renováveis”, diz.
Ele faz outra recomendação ao Brasil. Birol vê a energia limpa gerando uma elevação importante de demanda por minerais em todo o mundo, mas defende que países emergentes não podem repetir o passado e se verem no momento apenas como exportadores de commodities.
“Temos no Brasil e na América Latina muitos desses minerais críticos. Mas o que eu vejo é que os governos na América Latina estão fazendo acordos com países importantes para vender seus minerais críticos. Isso é bom, mas seria melhor se eles fossem processados para produzir baterias ou o que for necessário aqui”, diz.
“Eles [países ricos] têm que construir a própria indústria aqui para vender o produto final. Porque aí, em vez de vender por US$ 1, você pode vender por US$ 10. Só exportar os materiais de origem é algo do século passado, seria uma pena”, disse.
Outro ponto analisado por ele e de interesse do Brasil é a recomendação para o mundo usar, no curto prazo, uma ampla gama de combustíveis sustentáveis (muitos já produzidos ou com potencial de serem produzidos pelo país) mesmo que eles emitam CO2 residualmente. O argumento é que estabelecer metas muito rígidas desde já pode encarecer o processo de transição e impedir que nações mais pobres adotem opções intermediárias.
A AIE recomendou durante o G20, inclusive, que o mundo adote um padrão global para combustíveis sustentáveis com objetivo de unificar conceitos e facilitar o comércio internacional desses produtos algo de interesse do governo brasileiro, interessado em expandir o mercado nacional.
“É importante que o mundo tenha uma certificação acordada. Se não, terá dificuldades para transferir tecnologias de um país para o outro. É por isso que fizemos essa sugestão e há um consenso forte sobre isso. Não quero dizer que há um acordo, há países que têm diferentes opiniões. Mas a maioria demonstra convergência”, afirma.
O estudo da AIE sobre biocombustíveis teve como base análises anteriores, que buscavam comparar as emissões de automóveis elétricos dos que usam outras opções consideradas sustentáveis. Birol afirma que há espaço para diferentes tipos de automóveis, como movidos a baterias ou a etanol de segunda geração, principalmente ao se considerar que determinados países não têm capacidade para eletrificar sua frota.
“Ambos têm vantagens e desvantagens. Para mim, o importante é que ambos vão reduzir a dependência do mundo ao petróleo e as emissões. É uma competição amigável e eu quero ver ambos aumentarem [sua presença] no futuro”, diz.
Em meio aos esforços pela transição, a extração do petróleo continua uma realidade. Em diferentes países exploradores, a aposta retórica para compensar a atividade é nos sistema ligados a captura e armazenamento de carbono. Birol é cético em relação a esse tipo de tecnologia.
“Há quase duas décadas, a captura de carbono é uma história de decepção. Infelizmente, nem os países que produzem fósseis nem as empresas colocam dinheiro suficiente para permitir que essa tecnologia tenha seu preço reduzido e seja realmente usada”, afirma.
Acostumado a participar de reuniões internacionais, Birol lamenta a situação atual do mundo na discussão sobre a mudança climática. “Se o mundo levasse a sério a tarefa de evitar os impactos extremamente negativos do clima, não estaríamos nesta situação. Há uma grande diferença entre onde o mundo precisa ir e aonde estamos indo hoje”, diz.
Ele, no entanto, se diz otimista e diz que o mundo está passando por um momento de transformação crucial na transição energética. “Muitas coisas vão mudar e mais rápido do que muitas pessoas percebem. O Brasil está bem preparado para isso”, afirma.
ALEXA SALOMÃO E FÁBIO PUPO / Folhapress