PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – A sexta-feira (11) de Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, começou com problemas técnicos e um debate em primeira marcha. Na mesa com a escritora portuguesa Ana Margarida de Carvalho e a italiana Lisa Ginzburg, foi feito um passeio por temas como a relação com o Brasil e a literatura do país, a forma do romance, a necessidade de valorizar a ficção.
A plateia da tenda, empolgada, aplaudiu quase todas as falas de Ginzburg e de Carvalho, mesmo que fossem respostas simples a questionamentos sobre detalhes de enredo dos seus livros.
Ginzburg, que tem uma filha com um brasileiro e viveu no Brasil por alguns anos, começou lendo um trecho de “Uma Pluma Escondida” em português, idioma que fala com algum sotaque, mas em que é compreendida sem dificuldade. Mas, depois, passou para seu italiano de origem, traduzido pelos fones.
Quando a conversa chegava perto da uma hora de duração, houve um problema no som, anunciado pela cabine de tradução. Sorte que a italiana fala português. A palestra continuou por mais 15 minutos no idioma em que começou.
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A conversa não foi das mais quentes, mas ganhou na simpatia. As autoras começaram contando sobre seus processos criativos e como chegam a seus títulos, admirados pela mediadora Adriana Ferreira da Silva. Ginzburg, também autora de “Cara Paz”, diz que costuma escrever ao menos dois terços dos livros até que os nomes venham até ela. “O título também é um trabalho em andamento”, diz.
“Cara Paz”, diz, é um caso que se perdeu na tradução. Em italiano, “Cara Pacce” soa como carapace, palavra para carapaça. A invocação pela paz soa, então, como um escudo. A narrativa sobre as duas filhas, Maddalena e Nina, abandonadas pela mãe argentina Gloria, e forçadas a se cuidar como adultas e lidar com o pai, um homem abandonado pela mulher, “é uma história de como a proteção tem um desejo de ir além, de fazer as pazes com o passado”.
Carvalho compara, como muitos escritores antes dela, seus livros e seus filhos. Ela olha para o processo de nomear um romance como o de nomear um filho. “Quando você nomeia um bebê, ele logo ganha uma personalidade”, diz. Por isso ela gosta de fazê-lo cedo em seu trabalho. Apesar da comparação, a autora de “Não se Pode Morar nos Olhos de um Gato” ressalta que gosta muito mais dos seus filhos do que dos seus livros.
Ela arrancou risos da plateia ao dizer que os portugueses têm uma relação de amor não correspondido com o Brasil. A piada adubou terreno para uma lembrança a Jorge Amado quando ela comentava sobre a construção de seus personagens e narrativas. O escritor dizia que às vezes queria matar um personagem que não queria morrer. Ela diz que queria que alguns personagens não tivessem certos papéis nos romances, mas que isso se torna inevitável.
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Ginzburg dialoga com essa sensação. Ela fala em sincronicidade jungiana quando “sente que uma história está chegando”. Ela lembra que começava a pensar em uma narrativa sobre solidariedade entre mulheres quando precisou pegar um táxi em Roma, em meio a uma greve, e dividiu um carro com duas mulheres jovens, que dividiram com ela a história da amizade delas. Elas foram unidas por um namorado em comum. Claro que nenhuma delas sabia que compartilhava um homem. Daí nasceu uma amizade.
Ao final, a italiana repetiu sua entrevista à Folha e afirmou que existe tendência por vezes excessiva de valorização de narrativas biográficas. “A imaginação tem que ficar mais a vontade. A fantasia ajuda a enfrentar melhor a realidade.” Se seguiram as palmas mais empolgadas da palestra.
BÁRBARA BLUM / Folhapress