A gente mora no pulmão do mundo e está sufocando, diz ativista Txai Suruí na Flip

PARATY, RJ (FOLHAPRESS0 – “A gente mora no pulmão do mundo e está sufocando, enquanto o Congresso Nacional quer aprovar o marco temporal”, disse a ativista indígena Walelasoetxeige Suruí, conhecida como Txai Suruí, 27, durante a mesa intitulada “Saber o passado, mirar o futuro” na tarde desta sexta (11) na Flip de 2024.

Txai é coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé e é uma das fundadoras do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia. Na abertura da Conferência da Organização das Nações Unidas pelo Clima de 2021, em Glasgow, na Escócia, ela foi a única brasileira a discursar e impactou uma audiência global com uma fala sobre a urgência no enfrentamento às mudanças climáticas.

A configuração original do encontro tinha como destaque o Cacique Raoni Metuktire, uma das maiores lideranças indígenas do país, mundialmente reconhecido. Raoni, no entanto, passou mal às vésperas da Flip, durante viagem a Brasília, precisou ser internado às pressas, e os médicos recomendaram repouso.

Em mensagem de vídeo gravada pelo cacique e transmitida nos telões da tenda principal, Raoni disse que ficou com a “garganta ruim para conversar”, mas pretendia ir à Flip quando ficasse bom.

Um trecho do livro “Memórias do Cacique”, que a editora Companhia das Letras vai lançar em 2025, foi distribuído aos participantes da mesa.

“O Cacique Raoni é uma referência de liderança não só para os kaiapós, mas para todos os povos indígenas”, disse Txai, que é colunista da Folha e produtora do documentário “O Território”, premiado com o Emmy na categoria de mérito excepcional na produção de documentários.

“Quando fiz outro documentário, entrevistei o Cacique Raoni na sua aldeia e aproveitei para pedir conselhos. Ele falou para eu continuar lutando porque agora é a vez da juventude indígena estar na linha de frente. “Durante a visita à aldeia de Raoni, Txai contou que viu mandiocas cozinhando no próprio solo por conta da alta temperatura da terra para ilustrar como as mudanças climáticas estão afetando os povos originários do Brasil.

“As mudanças climáticas chegam primeiro em nós, em quem menos contribuiu para que elas ocorressem”, disse a ativista. “Nossa luta só vai vencer quando entendermos que ela é coletiva. Mas a sociedade não-indígenas está cada vez mais individualista. O futuro é ancestral e só vamos sair dessa crise climática quando entendermos que os rios são vivos, que as árvores têm alma e que nenhuma vida vale mais do que a outra.”

Filha do cacique Almir Suruí e de Ivaneide Bandeira Cardozo, conhecida como Neidinha Suruí, duas referências nas lutas pelas causas indígenas na Amazônia, Txai se emocionou ao falar sobre o racismo que seus pais enfrentaram durante a campanha municipal de 2024. Seu pai era candidato a prefeito de Cacoal, em Rondônia, pelo PDT, enquanto Neidinha concorreu como vereadora da cidade pela Rede.

“Eu vi o preconceito durante a campanha. Ainda olham a gente com olhar de incapacidade”, disse, com a voz embargada. Txaí disse que o pai lidera seu povo por meio de um sistema de governança próprio da nação Paiter-Suruí, recebeu da ONU o prêmio Herói da Floresta, em 2013, e, mesmo assim, não recebia apoio do partido. “Os candidatos a vereador pelo partido não queria nem tirar foto com ele”, lamentou.

Segundo a ativista, os indígenas demoraram para entender que precisam ocupar espaços de poder depois que saíram da tutela do Estado com a chegada da Constituição Federal de 1988.

“Tivemos muito poucos indígenas eleitos até hoje. Existe racismo institucional no Brasil, que até pouco tempo impedia indígenas de usar cocares nas campanhas, mas também existe o racismo da própria sociedade”, disse, citando o primeiro deputado federal indígena da história, Mário Juruna, eleito em 1982, e seguido pela eleição de Joênia Wapichana em 2018, e finalmente de Célia Xakriabá e de Sônia Guajajara em 2022.

“É uma questão democrática e de civilidade. Somos nós que mantemos as florestas de pé, mas, na hora de votar, não nos apoiam. Que democracia é essa que você olha e só tem um tipo de gente lá?”. Txai fez críticas duras ao Supremo Tribunal Federal e ao governo Lula, apesar de reconhecer a melhoria da atuação federal depois dos anos de Jair Bolsonaro.

“Melhorou, mas a gente tem que refletir: o orçamento mudou? Não. Então como pode o presidente Lula na ONU cobrar metas ambiciosas do acordo climático enquanto quer explorar petróleo na Amazônia e asfaltar a BR-319, que passa em áreas indígenas e em outras unidades de conservação?”

“Tem gente dentro do governo que é contra a demarcação de terras indígenas. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, vem barrando essas demarcações”, acusou. “E o STF quer conciliar nossos direitos, quando sabemos que direito não se negocia. O ministro Gilmar Mendes, que votou contra o marco temporal, agora quer isso. Mas a verdade é que não querem que a gente concilie, querem que a gente ceda.”

Ao final da mesa, após celebrar a presença de “minhas parentes” na plateia, com cocares coloridos inéditos nessa proporção dentro da tenda principal, Txai falou sobre o livro que lança durante a feira literária. Intitulado “Canção do Amor” (Elo), Txai contou que o livro de poemas foi inspirado na obra anticolonialista do poeta da Martinica, Aimé Cesare, mas que é dedicado ao “meu amor”.

“Eu sou uma mulher apaixonada, e o livro começou com essa paixão que me inspira a fazer poesia e revolução”, declarou, os olhos fixos no namorado e também ativista indígena Thiago Guarani. Ela abriu o livro e começou a declamar seus poemas ao namorado. Empolgada, quase chegou ao fim do livro, mas parou para perguntar ao público: “Vocês vão comprar se eu ler tudo?”. E, rindo, encerrou a mesa.

FERNANDA MENA / Folhapress

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