Boulos resgata estilo ‘raiz’ e amplia indignação para atrair eleitor de Marçal

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Pode tirar o cavalinho da chuva!”, bradou Guilherme Boulos (PSOL) em um palanque na última quarta-feira (9), com o rosto suado e os braços em movimentos firmes, diante de militantes de sua campanha à Prefeitura de São Paulo que reagiam com aplausos e gritos de aprovação.

“Você não vai ser presidente porque nós vamos reeleger o Lula”, continuou.

O recado em tom inflamado era para o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), a quem Boulos acusou de usar Ricardo Nunes (MDB) “como fantoche para tentar viabilizar uma candidatura à Presidência em 2026”.

Na saída do evento, batizado como “Plenária Arrancada da Vitória”, um aliado comentava o retorno do que chamou de “Boulos raiz”. O estilo combativo dos mais de 20 anos em que coordenou o MTST (Movimentos dos Trabalhadores Sem Teto) cristalizou a imagem de radical explorada por adversários.

Com falas mais enérgicas e postura mais reativa neste segundo turno, o candidato se distancia do jeito moderado adotado na sua segunda tentativa consecutiva de chegar à prefeitura. O objetivo: se aproximar dos eleitores de Pablo Marçal (PRTB), que ficou em terceiro e agora tem o espólio disputado.

A postura informal, com lugar para piadinhas e trocadilhos e um gestual mais próximo do perfil de manifestante do que de político tradicional, já vinha dando as caras nas semanas anteriores, à medida que o influenciador crescia com sua retórica veemente que cativou uma parcela antissistema.

A mãe de Boulos, a médica Maria Ivete, ficou preocupada quando o filho, empolgado na caminhada com Lula na véspera do primeiro turno pela avenida Paulista e rua Augusta, subiu no teto do carro que os levava e ergueu os punhos para acenar à multidão. Teve medo de que ele se desequilibrasse e caísse.

O ajuste no comportamento, segundo assessores, não significa uma guinada, mas foi aconselhado a partir do diagnóstico de que parte do sucesso de Marçal se deveu ao fato de encarnar uma indignação que responde aos anseios de eleitores. Há também a avaliação, no entorno do deputado, de que o autodenominado ex-coach demonstrou energia, algo útil para seduzir parcelas menos ideológicas.

Como a tônica da campanha de Boulos no segundo turno para tentar reverter a vantagem de Nunes passa por pregar a mudança, a adaptação na forma se tornou uma das ferramentas para tentar atrair os 70% de eleitores que não escolheram o prefeito no primeiro turno.

Além disso, o deputado incorporou temas da campanha de Marçal, com estímulo ao empreendedorismo e medidas para trabalhadores de aplicativos.

Na prática, contudo, o cenário é adverso. O aspirante à reeleição lidera a corrida com 22 pontos percentuais à frente, segundo o Datafolha (55% a 33%), e herda 84% dos eleitores do candidato do PRTB.

Aliados de Boulos afirmam que o tom adotado no primeiro turno teve sua importância, por duas razões.

A primeira é que ele conseguiu se situar como um candidato maduro e equilibrado em meio aos exageros e pirotecnias de Marçal, que figurou como um provocador, chegando a tirar o próprio deputado do PSOL do sério com a cena em que agitou uma carteira de trabalho diante do rosto dele para afrontá-lo, durante debate em agosto.

O outro objetivo perseguido com a estratégia era controlar a rejeição ao nome de Boulos, que se manteve estável ao longo do primeiro turno, embora em patamar alto —só sendo superada na reta final por Marçal, que chegou ao dia da votação com 53% de eleitores que não votariam jamais nele.

Um efeito colateral admitido por interlocutores de PSOL e PT é que o candidato acabou ficando semelhante a Nunes e ao estereótipo de político tucano, inclusive pelo figurino, com camisa social e terno. Em 2020, ele ainda circulava de camiseta, e a campanha no geral era mais irreverente e ousada.

Na quinta-feira (10), ao participar de sabatina do Grupo Globo, Boulos foi questionado sobre o discurso mais contundente dos últimos dias, com escalada nos ataques a Nunes. Ele tem chamado o prefeito de “pau-mandado do centrão” e “Gasparzinho”, pela decisão de não ir a todos os debates.

O candidato disse na entrevista querer demonstrar firmeza, que não deve ser confundida com “estridência ou radicalismo”, em suas palavras. Ele tenta estabelecer um contraste rotulando o adversário como um político fraco, sujeito a manipulações e “sem pulso firme” para comandar a capital.

Sobre si mesmo, diz sem ressalvas que tem “o maior orgulho” de ter liderado o MTST e atribui sua rejeição, hoje expressa por 58% do eleitorado, ao fato de “ter lado”.

Na cúpula da campanha de Boulos, a informação é que o comportamento dele será modulado conforme o contexto. Não se deve esperar uma atitude incendiária como a de Marçal, segundo pessoas próximas, mas, sim, uma maneira incisiva de falar e mobilizar a base.

O presidente Lula também sugeriu ao deputado uma abordagem mais calorosa. “Lembra que o povo é mais emocional do que [se move pela] razão”, disse o petista em transmissão na internet com Boulos poucos dias antes do primeiro turno. “Fale com o coração das pessoas, querido”, completou.

Parte da militância já tinha manifestado descontentamento com os modos mais contidos. Após a fala na plenária da última quarta, uma página de simpatizantes compartilhou os trechos do candidato esbravejando contra Nunes com o comentário de que “acordaram o Boulos do Velho Testamento”.

“A Faria Lima, a especulação imobiliária e a máquina estão com o nosso adversário, mas o povo está com a gente”, discursou durante o evento, para satisfação dos correligionários, que buscam manter o engajamento em alta nas próximas duas semanas.

JOELMIR TAVARES / Folhapress

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