PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – Dá para escolher se o copo está meio cheio ou meio vazio, mas é consenso entre os cientistas políticos Marcus André Melo e Celso Rocha de Barros que o 8 de janeiro ameaçaram as estruturas da democracia.
Para Barros, o exercício democrático estava por um fio e só não se rompeu porque o general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, não quis usar a tesoura que tinha em mãos. Para Melo, as instituições públicas são resilientes e têm como resistir à tensão.
Autores de “Por que a Democracia Brasileira Não Morreu?” e “PT, uma História”, respectivamente, eles estiveram juntos na manhã deste sábado (12) na Casa Folha, em conversa mediada pela repórter especial Anna Virgínia Baloussier.
“Eu não sei dizer qual a porcentagem de risco, mas a verdade é que o risco existiu. Se o Exército tivesse entrado, a chance de a democracia morrer seria grande, mesmo que não acontecesse de uma só vez”, disse Barros.
Ele lembrou que Bolsonaro propôs a realização de um golpe para os chefes do Exército, da Aeronáutica e da Marinha, que chegou a colocar tropas à disposição do ex-presidente.
“Pelas investigações, foi possível saber que eles conspiraram para derrubar o chefe dos militares. Em 30 de novembro de 2022, teve uma reunião no Congresso onde estava a bancada bolsonarista pedindo intervenção, e ninguém foi punido por arquitetar esse golpe. Tenho que ouvir a opinião desses caras sobre reformas políticas, regulação tributária, enquanto eu só deveria ouvir a opinião deles sobre o canto da cela em que vão dormir na cadeia”, afirmou.
Com casa lotada e clima descontraído, o debate sobre política arrancou risos e reações do público em diversos momentos. “A democracia brasileira não estava por um triz. Quem estava por um triz era o Bolsonaro. Ele era um home forte fraco. O desenlace que tivemos não dependeu de um general. No fundo, essa decisão reflete a natureza e a resiliência das instituições brasileiras. Por que um general diz não? Porque ele tem plena ciência de que não é possível”, argumentou Melo.
Para Melo, a decisão de Gomes não foi uma iniciativa individual. “Ele estava em contato com o setor financeiro brasileiro. O centrão se dá melhor sob a democracia que temos do que em regime autoritário. Obviamente que tem meia dúzia de malucos que se vestem de verde, mas claramente eles eram minoritários e não dispunham de força para impor sua posição”, disse.
Os dois concordaram que as manifestações de 2013 não foram o grande motivador do que aconteceu na última eleição presidencial, embora não descartem influências.
“Foi um produto de um processo de crescimento da renda, com um boom de commodities, e aquilo gerou muitas demandas não satisfeitas. É produto de demandas sociais”, afirmou Melo.
“É aquela coisa: você tem um crescimento e para. Na época de crescimento, a população tem mais expectativa e, quando você interrompe, as pessoas se revoltam porque as expectativas estavam altas. Ao passo que quando você tem um empobrecimento contínuo, a expectativa vai baixando”, complementou Barros.
Barros defendeu que, entre o ponto em que multidões foram às ruas pedindo passe livre até o dia em que Bolsonaro propõe um golpe, havia milhares de possibilidades de não se cair no atual contexto e reverter o processo de ameaça à democracia. “A gente perdeu todas elas”, afirmou.
A conversa passou ainda por temas como Pablo Marçal, Silas Malafaia, evangélicos, crescimento da direita e enfraquecimento da esquerda, e se estendeu com público cativo e chuva de perguntas.
PAOLA FERREIRA ROSA / Folhapress