BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Um documento do Ministério das Relações Exteriores vê risco de que a Amazônia Legal ou alguns estados brasileiros sejam considerados pela nova lei antidesmatamento da União Europeia como regiões de alto risco de desmate –o que aumentaria os controles para acesso de produtos dessas áreas ao bloco.
A missão do Brasil junto à União Europeia, em Bruxelas, produziu uma avaliação técnica sobre as últimas informações divulgadas pela Comissão Europeia em relação à nova legislação. Os dados fornecidos pela UE no início do mês fazem parte de um pacote que incluiu a proposta de adiamento em um ano da implementação da norma.
Aprovada pela União Europeia em 2023, a lei proíbe que países do bloco importem produtos provenientes de áreas que foram desmatadas após dezembro de 2020 e está prevista para começar a valer em 30 de dezembro deste ano, se o pedido de adiamento não for aprovado. Em caso de aval, as novas regras passariam a valer em 30 de dezembro de 2025 para as grandes empresas e em 30 de junho de 2026 para as micro e pequenas.
Na avaliação, obtida pela Folha e transmitida a outras pastas na Esplanada e a entidades exportadoras, a missão em Bruxelas afirma que o processo de classificação dos países em três níveis de risco –baixo, padrão ou alto– é “o aspecto mais danoso da nova regulação”.
“A linguagem utilizada pela UE para descrever o mecanismo de classificação de risco na comunicação confirma, novamente, a preocupação já manifestada pelo posto em diversos expedientes anteriores, de que o processo de formulação e atualização constante do ‘benchmarking’ [classificação] será utilizado pela UE como instrumento permanente de pressão sobre países produtores, com vistas a influenciar posturas e mesmo obter concessões em negociações bilaterais, regionais e multilaterais relacionadas com meio ambiente, mudança do clima, comércio, entre outros temas”, diz o documento.
Em outro trecho, o texto afirma que o processo de classificação confere à lei europeia um caráter “discriminatório, seletivo e mesmo coercitivo”.
“Afinal, a lei, supostamente aplicável a todos os produtos, independentemente da origem, na verdade estabelecerá dever de diligência devida e mitigação de riscos apenas para os produtos oriundos dos poucos países classificados como de risco padrão ou alto, conferindo à UE poderoso instrumento de barganha na forma da faculdade de alterar a classificação de risco dos países a depender do seu comportamento.”
Como a Folha mostrou, a proposta da Comissão Europeia de adiar a aplicação da lei antidesmatamento deu fôlego aos setores brasileiros que podem ser afetados, mas o foco dessas cadeias produtivas ainda é derrubar a norma ou corrigir alguns pontos.
O pedido de adiamento foi proposto após apelos do Brasil e de outros países produtores de commodities agrícolas e precisa ser aprovado pelo Parlamento e pelo Conselho Europeu.
A Comissão também defendeu o adiamento da entrada em vigor do sistema de classificação dos países. O novo prazo proposto é 30 de junho de 2025.
O EUDR (Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento da União Europeia) abrange as importações de café, soja, madeira, cacau, óleo de palma, carne bovina e borracha. O bloco europeu exige evidências de não desmatamento e prevê multas elevadas para empresas que não cumprirem as regras.
O governo Lula é contra a norma europeia. Em carta enviada no mês passado a representantes da União Europeia, os ministros da Agricultura, Carlos Fávaro, e das Relações Exteriores, Mauro Vieira, disseram que as regras antidesmatamento do bloco podem afetar 30% das vendas de produtos brasileiros à União Europeia.
O texto produzido pela missão do Brasil junto à UE analisa ainda qual categoria de risco de desmatamento poderia ser aplicada ao Brasil.
Ele destaca que a Comissão Europeia trabalha com um cenário em que “uma grande maioria dos países ao redor do mundo” seja classificada como de baixo risco; e que, pelo menos num primeiro momento, o carimbo de alto risco terá foco em nações sob sanção da ONU (Organização das Nações Unidas) e da UE.
“Dessa forma, o cenário mais provável é de classificação do Brasil como país de risco padrão. Não descarto, no entanto, que regiões (como a Amazônia Legal) ou estados brasileiros também sejam contemplados na categoria de risco elevado, conforme permitido pelo regulamento europeu”, diz a missão brasileira em Bruxelas.
Outro ponto levantado na análise é a falta de claridade na elaboração da metodologia da classificação dos países.
De acordo com a avaliação do governo brasileiro, a UE ainda não indicou se considerará a taxa de desmatamento absoluta ou relativa no processo de classificação.
“Fica preservada, portanto, a margem de discricionariedade para conduzir o processo de elaboração de benchmarking como desejar, permanecendo impossível, para os países interessados, tentar estimar ou replicar a metodologia da UE e avaliar a própria classificação de risco”.
RICARDO DELLA COLETTA / Folhapress