Único prefeito do MST diz que vai seguir morando em assentamento em SC

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Nei Nervis (PT), 37, foi o único membro do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) que conseguiu vencer uma disputa para prefeito nas eleições de 2024. Como mostrou o Painel, o grupo organizou-se nacionalmente pela primeira vez para lançar candidatos a vereador, vice-prefeito e prefeito.

Ao todo, foram 133 candidatos eleitos, somando aliados (87 políticos que apoiam o MST) e membros efetivos do movimento (46 acampados ou assentados). Nervis atingiu o posto máximo em Passos Maia, cidade da região oeste de Santa Catarina (480 km de Florianópolis).

Mais da metade da população de cerca de 5.000 habitantes é composta por assentados, afirma Nervis. O prefeito eleito diz que mora desde que nasceu em áreas ocupadas pelo MST e que não vai deixar o assentamento Sapateiro, onde vive atualmente, para administrar a cidade.

Nei Nervis (PT) durante ato de campanha em Passos Maia (SC) Reprodução/@neimarluiznervis Nei Nervis (PT) durante ato de campanha em Passos Maia (SC) **** Nas redes sociais, os vizinhos celebram a vitória: “Marco histórico em nossa cidade. Nosso prefeito assentado, gente como a gente”, escreveu uma seguidora.

Atual presidente da Câmara Municipal, Nervis faz parte de uma linhagem política. Assentados do Sapateiro elegem representantes no Legislativo com regularidade, e seu pai, Norino Nervis, foi vice-prefeito por oito anos.

Norino foi um dos participantes da ocupação da Fazenda Ameixeira, em 1995, que envolveu mais de 1.200 pessoas e deu origem a três assentamentos em Passos Maia. Ele morreu em 2011, e Nei guardou seu terno e suas gravatas para usar na cerimônia de posse em 1º de janeiro.

“A gente se criou dentro do MST, em barracos de acampamentos e assentamentos. Trabalhamos primeiro com enxada e foice, depois com animais, cavalo, bois. Depois foi carvão, passamos para gado leiteiro. Depois de muitos anos que a gente começou a poder comprar algumas máquinas. Hoje a gente tem um parque de máquinas”, conta.

Com a oferta de crédito e a mecanização do trabalho, os sem-terra expandiram a produção nos assentamentos. Nervis, por exemplo, cultiva soja em uma área de 300 hectares. A economia do município está baseada em madeireiras, gado leiteiro e produção de grãos.

Para esses grandes produtores, o novo prefeito promete investir em programas de troca de adubação e de renovação de máquinas. Para os pequenos, pretende instalar uma feira de produtos na qual os funcionários públicos poderiam comprar com um cartão criado pela prefeitura exclusivamente para esse fim.

A administração municipal de Passos Maia já conta com uma Secretaria de Reforma Agrária. Nervis afirma que ela deverá concentrar sua atuação em regularizar a documentação dos assentados.

“Há cerca de 500 famílias de assentados na cidade. Vamos levar a documentação até o Incra para que saiam os CCUs [Contratos de Concessão de Uso] e também as escrituras dos terrenos. Também vamos destinar máquinas para essa secretaria, que deverão ser usadas somente pelos assentados”, explica.

Líder sem-terra em um estado no qual o bolsonarismo é uma potência, Nervis afirma que a discriminação já foi pior. “Antes do primeiro governo Lula, os atendentes de banco não recebiam bem a gente. Depois ficou mais civilizado e então conseguimos ter acesso a máquinas”.

Hoje em dia, diz, “muitos veem o 13 e a esquerda e não querem votar”, mas em Passos Maia “a gente vota mais nas pessoas do que nos partidos”.

GUILHERME SETO / Folhapress

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