SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um investimento de alto risco, que já tem mercado maduro em alguns países europeus, nos Estados Unidos e na Austrália, está crescendo no Brasil: o financiamento de litígio. A modalidade começou a ser operada por algumas gestoras há dez anos e vive um momento de expansão.
O financiamento de litígio integra uma categoria de investimento chamada de “special situations”, que reúne ativos alternativos, envolvendo aspectos jurídicos complexos, com risco elevado, e, por isso, rentabilidade também alta.
Nessa aba entram, além do litígio, financiamento de empresas em recuperação judicial, antecipação de recebível de precatório e crédito estruturado, entre outros.
Ainda carente de dados gerais, o financiamento de litígios está cada vez mais na mira dos investidores institucionais, segundo gestoras especializadas em administrar os chamados fundos distressed (estressados) -que reúnem ativos ligados a situações problemáticas de empresas.
Basicamente, com o financiamento de litígios, as empresas e até mesmo pessoas físicas que entram numa ação judicial condenatória em situação de desvantagem buscam o apoio, não somente financeiro mas também jurídico, de advogados especializados naquele tipo de causa, para brigar de igual para igual na Justiça. São processos em que uma parte precisa pagar um valor para a outra.
“Litígio é uma guerra financeira. E, quando você tem uma luta de Davi contra Golias, o que o Golias vai tentar fazer é estrangular financeiramente o Davi. Essa é a melhor forma de você ganhar um litígio. Porque litígio é muito caro”, diz Pedro Mota, sócio da JiveMauá, gestora de investimentos alternativos com R$ 19 bilhões sob gestão.
Um exemplo relevante são ações movidas pelas vítimas do desastre de Mariana, provocado pelo rompimento de barragem da mineradora Samarco, cujas acionistas são a Vale e a BHP. O gigante britânico de advocacia Pogust Goodhead é responsável por ações no Brasil, no Reino Unido e na Holanda em nome das vítimas da tragédia.
No ano passado, a firma recebeu empréstimo de cerca de US$ 500 milhões (R$ 2,8 bilhões) do Gramercy, fundo hedge com sede em Connecticut (EUA), com patrimônio de US$ 6 bilhões (R$ 33,9 bilhões). São recursos que vêm de fundos de pensão, fortunas individuais e fundos soberanos.
Empresas também buscam esse tipo de recurso. Mota conta que muitas companhias de médio porte que já estão em uma situação de aperto financeiro optam por buscar o financiamento de litígio em ações contra grandes empresas para poupar o dinheiro que será usado para pagar credores, por exemplo, em um caso de reestruturação de dívidas.
Além do aumento do investimento em fundos que oferecem esse financiamento, especialistas relatam também um boom no número de empresas e pessoas físicas que buscam dinheiro para enfrentar a Justiça. Cristian Lara, diretor de tecnologia da informação da Strategi Capital, que possui R$ 150 milhões sob gestão, relata um crescimento mensal na demanda.
A vantagem para quem busca esse tipo de financiamento é não ter de arcar com os gastos milionários do processo e ainda não sofrer o prejuízo de pagar custas em caso de perda no processo, já que quem paga nesse caso são os investidores. Por outro lado, quando há vitória na ação, o beneficiário cede uma porcentagem do ganho na causa para a gestora. Lara explica que, além da ajuda financeira, como os investidores têm interesse na vitória da ação, as gestoras empenham também capital humano durante o processo.
“Quando a gente vira ‘sócio’ dessa ação judicial, além de ter risco financeiro no negócio, a gente quer que dê resultado. E obviamente a gente coloca capital humano para fazer dar certo, como desenhar as melhores estratégias de recuperação do tanto que se sofreu em um determinado litígio, contratações de laudos, de pareceres. E às vezes a gente está discutindo um tema técnico, então tem que ter peritos”, diz Lara.
Pedro Cavalcanti Rocha, diretor de Special Situation do Grupo Leste, diz que, como a natureza desse ativo é de alto risco, já que envolve decisões de juízes que podem ser imprevisíveis, e quem toma o risco é a gestora, as taxas requeridas como contrapartida em caso de vitória também são altas, não menos de 35%.
Além disso, os gestores desse ativo, que envolvem advogados, engenheiros e economistas, precisam ser altamente seletivos na escolha de quais processos farão parte da carteira dos fundos. “A cada cem ações que aparecem para nós, investimos em uma ou 0,5. O filtro é alto, só pegamos ações que têm chance de 70% a 100% de vitória”, diz Rocha.
Ele conta que, diferentemente de outros tipos de fundos, como os de ações ou de renda fixa, que são altamente afetados pela situação macroeconômica, a rentabilidade do financiamento de litígios não depende de questões como juros, dólar ou risco-país.
Por outro lado, têm relação direta com segurança jurídica, morosidade da Justiça, quais são os advogados envolvidos nas causas e a influência de políticos e empresas sobre os tribunais do país. Todas essas variáveis são levadas em conta na filtragem dos litígios nos quais investir.
O Grupo Leste possui R$ 500 milhões, dos mais de R$ 12 bilhões sob gestão, focados na estratégia de litígio. A gestora só tem na carteira causas de ao menos R$ 25 milhões, que envolvam grandes empresas e que possuam nota de classificação de risco máxima, AAA (ou seja, com capacidade de cumprir com o pagamento).
Os fundos que reúnem investimentos em financiamento de litígio são de longo prazo, em média de seis anos, dada a natureza do ativo que está atrelado ao tempo da Justiça brasileira. Em média, eles entregam um rentabilidade próxima a 22% ao ano.
STÉFANIE RIGAMONTI / Folhapress