SÃO CARLOS, SC (FOLHAPRESS) – As áreas colonizadas por vegetação estão aumentando cada vez mais rápido na península Antártica, a área do continente gelado mais próxima das demais massas de terra do planeta. A mudança é fruto do impacto da crise climática sobre a Antártida, com repercussões imprevisíveis sobre os ecossistemas da região.
Dados de satélite que mostram o avanço verdejante sobre o solo da península foram apresentados recentemente em artigo na revista científica Nature Geoscience.
As informações de sensoriamento remoto indicam que as áreas cobertas por vegetação ali passaram de um total de 0,86 km2 em 1986 para 12 km2 nesta década.
Em termos absolutos, ainda é muito pouco, mas os dados indicam que o ritmo desse avanço está se acelerando, chegando a quase meio quilômetro por ano. A rigor, a aceleração não destoa de outras tendências de transformação em território antártico trazidas pelo aumento da temperatura global.
Conforme explica a equipe liderada por Thomas Roland, da Universidade de Exeter (Reino Unido), o processo está intimamente ligado à perda de massa de 90% das geleiras da península, o que também corresponde ao aumento das áreas com solo livre de gelo da região, que podem triplicar ao fim deste século.
Faz sentido que essas mudanças mais radicais afetem primeiro o trecho peninsular da Antártida porque a área tem mais contato com as correntes marinhas que fluem pelos diferentes oceanos do planeta, além de estar mais próxima da extremidade meridional de continentes como a América do Sul. Parece haver uma correlação, por exemplo, entre o avanço das áreas verdes e a diminuição do gelo marinho antártico.
Tais alterações favorecem principalmente o crescimento dos musgos nativos da península, embora também impulsionem a colonização do solo por plantas mais complexas. Já há dados mostrando que as camadas de musgo estão ficando mais espessas na península Antártica, mas os pesquisadores queriam investigar até que ponto elas também estão se espalhando lateralmente.
Os dados de satélite confirmaram essa expansão “para os lados”. Revelaram ainda que ela está acontecendo principalmente em áreas “pioneiras”, em que antes não se encontrava vegetação nenhuma.
Um dos mecanismos que talvez explique isso seja o aumento do número de dias do ano com temperatura favorável ao crescimento das plantas, embora essa hipótese ainda careça de comprovação. Ao que tudo indica, o processo também afeta preferencialmente certas áreas da península: devido à presença de elevações e outros fatores, certas áreas são mais quentes e recebem mais chuva, e é nelas que os musgos avançam mais rápido.
O avanço dessas plantas tem outra repercussão importante: por conseguirem crescer em áreas rochosas, sua presença é capaz de produzir novos solos com o passar do tempo.
Ou seja, elas podem abrir caminho para o estabelecimento posterior de plantas cujo crescimento exige mais do substrato debaixo delas, modificando ainda mais um ambiente que antes era apenas pedregoso e coberto periodicamente por neve e gelo. Esse tipo de mudança poderia inclusive facilitar a vida de espécies invasoras trazidas de outros continentes, favorecendo seu estabelecimento definitivo por lá.
Por fim, outra repercussão possível do processo é conectar ambientes da península Antártica que hoje estão separados por obstáculos naturais (como as próprias geleiras). Um tapete mais contínuo de musgos eliminaria as antigas diferenças entre esses habitats e poderia homogeneizar a biodiversidade da região como um todo.
REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress