SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As irregularidades que vêm sendo investigadas no laboratório PCS Lab Salene, que emitiu supostos laudos falsos que resultaram no transplante de órgãos infectados com HIV para seis pacientes no Rio de Janeiro, servem de alerta para que gestores públicos aprimorem os mecanismos de contratação, controle e fiscalização de serviços de saúde terceirizados.
Para especialistas da área ouvidos pela reportagem, é importante que os editais de licitação exijam, por exemplo, que o laboratório tenha programas de controle de qualidade e de certificação, duas ferramentas que trazem mais precisão e segurança a todo o processo de exames laboratoriais.
Também defendem que as vigilâncias sanitárias priorizem as fiscalizações de laboratórios que prestam serviços à saúde pública. Ainda não há informações sobre quais foram as exigências no processo licitatório pelo qual o PCS passou e se houve fiscalizações sanitárias preventivas.
Ter um programa de controle de qualidade é obrigatório por norma da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) de 2005, que foi revisada ano passado. Já a certificação é voluntária. Em outros países, ambos os programas são compulsórios.
Segundo a SBPC/ML (Sociedade Brasileira de Patologia e Medicina Laboratorial), não há registro de que o PCS Saleme adotasse esses programas. Em nota, assessoria de imprensa do laboratório diz que ele é certificado pelo Programa Nacional de Controle de Qualidade.
Uma auditoria da Anvisa e da Vigilância Sanitária do estado, após a relevação do caso, apontaram 39 irregularidades no laboratório. Entre elas, a falta de uma licença para operar dentro do Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro, além de exames sem identificação e material armazenado em geladeiras comuns.
O ginecologista Walter Vieira, um dos sócios do laboratório PCS Saleme, afirmou em depoimento que o problema foi causado por preparação incorreta do exame para detectar a doença e erro na hora de registrar o resultado do teste. Ele foi preso na segunda (14) e atribuiu as falhas a três funcionários.
De acordo com dados da SBPC/ML, cerca de 65% dos 1,2 bilhão dos exames de análises clínicas realizados anualmente no país são monitorados pelo programa de acreditação da entidade. Já em relação ao controle de qualidade, dos 17 mil laboratórios públicos e privados, apenas 5.000 têm programas.
“São as ferramentas valiosas, utilizadas por laboratórios de todo o mundo desde a década de 1990 para assegurar que a fase analítica esteja correta. Garante precisão e exatidão aos resultados”, diz Wilson Shcolnik, um dos diretores da SBPC/ML.
De acordo com ele, atualmente, os programas de controle de qualidade são apenas um dos componentes do programa de acreditação. “Ele é bem mais amplo. Cuida de todo processo laboratorial na fase pré-analítica, analítica e pós-analítica, e funciona por meio de auditorias independentes periódicas.”
Segundo ele, os auditores comparecem dentro dos laboratórios e buscam evidências de tudo o que é feito. “Não adianta o auditor chegar e perguntar: ‘você participa do controle de qualidade?’ E o cara responder: ‘participo’. Ele tem que mostrar o contrato e como faz diariamente esses controles.”
Shcolnik diz que muitos editais de prefeituras e de governos estaduais já incluem essas exigências no processo licitatório, o que garante a segurança do próprio gestor, mas ainda há espaço para ampliação e aperfeiçoamento dessa medida.
Para a médica e gestora de saúde Cristiane Jourdan, ex-diretora da Anvisa, a crescente terceirização dos serviços públicos de saúde demanda uma vigilância ainda maior do Estado brasileiro.
Segundo ela, o trabalho de fiscalização das vigilâncias sanitárias passa por um processo de seleção e de amostragem porque são muitos serviços a serem vistoriados. “Existe uma insuficiência de pessoal, mas toda empresa que vai prestar serviços à saúde pública tem que ter uma fiscalização mais efetiva.”
Para o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, ex-presidente da Anvisa, dificilmente uma vigilância mais ativa teria conseguido evitar o que aconteceu no Rio de Janeiro porque não é possível que os agentes estejam em todos os lugares o tempo todo.
O que tem que existir é um ambiente, um cuidado. O cara saber que se ele não fizer direitinho, um fiscal vai descobrir que ele não comprou o teste, que o teste estava com a validade vencida, que o teste ficou fora da geladeira, porque a demonstração de boas práticas é feita através da verificação dos registros
médico sanitarista e ex-presidente da Anvisa
“O que tem que existir é um ambiente, um cuidado. O cara saber que se ele não fizer direitinho, um fiscal vai descobrir que ele não comprou o teste, que o teste estava com a validade vencida, que o teste ficou fora da geladeira, porque a demonstração de boas práticas é feita através da verificação dos registros.”
Na sua opinião, no âmbito das vigilâncias sanitárias, Estados e município precisam ter uma melhor distribuição de tarefas. “Tem coisas que o município não pode fazer. Nessa área de laboratório, de hospital, de hemodiálise, sangue, também não deveria sobrar nada para o município fazer porque precisa de mais estrutura.”
Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde do Rio de Janeiro informou que a vigilância sanitária estadual realiza inspeções sanitárias nos 92 municípios do estado, a partir de demandas de licenciamento sanitário, revalidações, denúncias do Ministério Público, reclamações de Ouvidoria e conselhos profissionais, além de credenciamento e habilitação de serviços.
Segundo a secretaria, a licença sanitária da sede do PCS Lab Saleme, que era localizada em Nova Iguaçu, foi fornecida pela vigilância sanitária do município. Diz ainda que a vigilância estadual realizou a fiscalização a partir do resultado positivo para HIV nos exames de dois doadores de órgãos.
“Ao constatar irregularidades na unidade do laboratório que funcionava nas dependências do Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro (IECAC), foi determinada a interdição imediata do serviço, que foi transferido para o Hemorio.”
De acordo com a secretaria, além da fiscalização do funcionamento do laboratório no IECAC, foi realizada inspeção na unidade do PSC Lab Saleme, em Nova Iguaçu, pelo fato de a unidade possuir o mesmo CNPJ e responsável técnico do serviço instalado dentro do hospital.
“A vigilância estadual determinou a interdição cautelar do laboratório localizado no município da Baixada Fluminense, assim como em todas as unidades vinculadas ao CNPJ. Esta medida impede o laboratório de funcionar em todo o território nacional.”
O Ministério do Estado do Rio de Janeiro instaurou inquérito civil para apurar as irregularidades cometidas pelo PCS Saleme e pediu que a secretaria envie, em um prazo de 15 dias, a cópia do laudo de inspeção da vigilância feita no laboratório e de sindicâncias instauradas.
CLÁUDIA COLLUCCI / Folhapress