Aneel sofre redução de 50% em fiscalização e corta até telemarketing e ouvidoria

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), órgão responsável pela fiscalização do setor, está sem recursos para realizar atribuições básicas, com cortes no orçamento que chegam a 50% neste ano.

A reportagem teve acesso a um documento encaminhado ao TCU (Tribunal de Contas da União) no início do mês, no qual a agência detalha a situação financeira vivida pelo órgão, que já tem comprometido serviços essenciais como o de atendimento ao consumidor.

Um dos impactos mais graves ocorre justamente na área de fiscalização das concessionárias, empresas como a Enel São Paulo, que ainda não deu fim ao apagão que atinge a capital paulista desde sexta-feira (11).

No início deste ano, a superintendência da agência responsável pela fiscalização técnica de geração, transmissão e distribuição de energia havia informado que precisava de R$ 33,6 milhões de orçamento em 2024. Após sucessivas restrições, a fiscalização está operando com apenas R$ 16,5 milhões, ou seja, metade do estimado como adequado para o trabalho.

A falta de recursos afeta a participação pública, como afirma a própria agência no documento enviado à corte de contas. “Foi necessário reduzir drasticamente o atendimento ao público externo, por meio da redução do horário de atendimento do call-center da Aneel”, afirma o diretor-geral da agência, Sandoval Feitosa Neto, que assina o ofício.

A reportagem procurou a Aneel e o Ministério de Minas e Energia para se manifestarem sobre o assunto. Não houve resposta até a publicação desta reportagem.

Por falta de dinheiro, o telemarketing da agência, que funcionava das 6h20 às 24h, passou a operar das 8h às 20h. Além disso, foram suspensas todas as atividades de ouvidoria com as agências estaduais (exceto com a Agência Reguladora do Estado do Ceará). A Aneel também desligou o “atendimento de chat humano” e encerrou as atividades de monitoramento das redes sociais.

Em tom de alerta, a diretoria-geral da agência afirma que seus serviços estão em vias de serem completamente inviabilizados. “Há um risco iminente de que nossas atividades sejam afetadas de modo crítico e que nossas atribuições legais não sejam propriamente cumpridas”, afirma.

A incapacidade do órgão de responder ao impacto de eventos climáticos severos –como o que acaba de ocorrer em São Paulo, com o caos no abastecimento pela Enel– também é citada no documento.

“Em um contexto de eventos climáticos extremos, cada vez mais frequentes e intensos, com consequentes impactos no setor elétrico e na sociedade, a atuação da área de fiscalização da Aneel junto aos agentes setoriais e ao poder público tem se mostrado cada vez mais necessária”, diz Feitosa.

“A fiscalização contribui para a coleta de dados e informações técnicas essenciais ao aprimoramento das normas regulatórias, o que se torna imprescindível para a atualização contínua do marco regulatório frente às transformações e inovações do setor.”

Os cortes orçamentários são promovidos pelo governo federal, que pressiona os agentes públicos a gastarem menos e, assim, cumprir a meta fiscal. No caso da Aneel, porém, a redução de verbas –calibrada pelo Ministério de Minas e Energia– também tem mexido com as parcerias estaduais da agência.

A Aneel conta com o apoio de 11 agências reguladoras estaduais, que atuam sob convênios de descentralização, além de consultorias técnicas especializadas contratadas para dar suporte à fiscalização. Em São Paulo, por exemplo, esse trabalho é feito pela Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo). Acontece que as fiscalizações realizadas por meio desses convênios dependem diretamente do repasse de orçamento da Aneel.

“A restrição orçamentária imposta à Aneel também afeta a execução das fiscalizações descentralizadas, uma vez que a falta de recursos compromete os repasses, inviabilizando a continuidade das ações de fiscalização nas jurisdições estaduais”, diz o diretor-geral da agência, no ofício enviado ao TCU.

CORTES SUCESSIVOS

A redução mais drástica dos recursos da Aneel ocorreu nas chamadas “despesas discricionárias”, que são os gastos não obrigatórios –como folha de pagamento– e que o agente público tem poder de decidir onde e quanto alocar.

No início de 2024, a agência estimou um orçamento total de R$ 244 milhões para esse tipo de gasto, o qual inclui as iniciativas de fiscalização e atendimento. As decisões orçamentárias do governo, porém, reduziram essa cifra sucessivas vezes, caindo para R$ 189,4 milhões, depois para R$ 148 milhões, até chegar aos atuais R$ 141,8 milhões para este ano.

O número representa uma redução de R$ 37,482 milhões em relação ao valor executado pela agência no ano passado. Em 2023, essas despesas não-obrigatórias da Aneel tiveram R$ 179,3 milhões em caixa.

Na contramão da queda do orçamento, as despesas estão crescendo neste ano. “Em parte, porque se observou um aumento dos preços dos serviços – o que foi ainda mais expressivo no setor de tecnologia da informação. Mas, além disso, porque algumas novas contratações foram imprescindíveis”, afirma Sandoval Feitosa. “Neste cenário, as atividades da Aneel serão impactadas sobremaneira.”

A agência afirma que “não foi possível avançar em contratações essenciais para a melhoria dos ambientes de geoprocessamento, bem como na implantação da IA (Inteligência Artificial) Generativa” prevista para apoiar as ações. “Impactos em infraestrutura e em soluções de tecnologia da informação atingem toda a agência, pois alcançam processos críticos, gerando atrasos e impactando todo o ecossistema do setor elétrico”, afirma o diretor-geral.

São relatados, ainda, outros impactos, como a diminuição da equipe de colaboradores de atendimento e de desenvolvimento de tecnologia, prejuízo na execução dos serviços administrativos e redução de despesas com viagens e locomoção para as equipes de fiscalização.

Reportagem publicada em abril pela Folha mostra que também há falhas na destinação de recursos da agência. Só 0,5% do orçamento da Aneel foi enviado para a fiscalização em 2023. O número de servidores vem caindo de forma contínua desde 2014, de 730 naquele ano para 558 em 2024.

ANDRÉ BORGES / Folhapress

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