Entre os perdidos achamos coisa boa

Hélio Consolaro
Hélio Consolaro
Hélio Consolaro, professor, jornalista e escritor, 75 anos. Oito livros publicados. Membro da Academia Araçatubense de Letras, foi vereador e secretário municipal de Cultura por oito anos.
Foto: Hélio Consolaro

Eu não espero o carnaval chegar pra ser vadia / Sou todo dia, sou todo dia (música TODO DIA)

No dia 12 de outubro de 2024, saímos (eu e a Fátima) para a abertura do Festival de Teatro de Araçatuba no teatro da Associação Nipo-Brasileira de Araçatuba, mas batemos com o nariz na porta. Íamos assistir “Nasci para ser Dercy”, com Graça Gianoukas. O espetáculo fora apresentado na sexta-feira, véspera de feriado. Isso acontece até a um ex-secretário da Cultura.  

Demos uma de perdido e achamos outro espetáculo na Lagoa do Miguelão, avenida 2 de Dezembro. Conheci aquela região de Araçatuba quando era zona rural. Hoje é uma região semiurbanizada. Feira de artesanato, barraquinha disso, barraquinho daquilo, comemos até acarajé.

O dono da lagoa morreu, o Miguelão, morador de um casebre à beira do pântano, mas os sapos ficaram esperando o dia de fazer o coro do espetáculo ao cantor Rico Dalasam no Festara. Os sapos ensaiaram muito para apresentar esse coral. Cantavam óperas, mas ultimamente preferiam rap. Não foram embora, não pararam a cantoria até os holofotes do palco acenderem.

Nisso, descobri que só os sapos machos coaxam, enquanto as fêmeas são mudas. E agora? Será que eles sabem que o rapper é homossexual? Certamente, em protesto não cantariam se fossem machistas. 

Até apareceram alguns bolsonaristas querendo incentivar  o protesto da saparia, mas o sapo-chefe, aquele que dita as palavras de ordem, conhecedor de seu rebanho, logo respondeu:

– Nós somos sapos, não temos preconceitos como alguns humanos. Faremos o coro para Rico Dalasam com muito honra.

– E o coral, cara, canta no tom, é bem afinado! Veio enriquecer o meu show – observou Rico Dalasam no microfone. 

Entre sapos machos, humanos de gêneros indefinidos, havia um casal hétero, da terceira idade, sentado (que sexo já não importava tanto) ocupando duas cadeiras gentilmente cedidas pela organização, pois meu joelho podre reclamava.  

Fecha o olho e me leia
Em braille, em braille, braille
Fecha o olho e me leia
Em braille, em braille, em braille

Deixa um pouquinho pra ler amanhã
E diga o que entendeu de mim
Deixa um pouquinho pra ler amanhã
Se o tempo amanhecer ruim (música Braille)

E assim todos ouviram um rap maneiro, com menos protesto e mais amor, com linguagem trabalhada. Afinal, entre os perdidos achamos coisa boa.

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