PCS Saleme já foi acusado de falso positivo para HIV e de errar exames de grávidas e de crianças

SÃO PAULO, SP E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Em 2010, a empregada doméstica Sandra precisava de um exame de sangue pré-cirúrgico. Com o encaminhamento, marcou horário e foi até um laboratório em Belford Roxo, na Baixada Fluminense. Um mês depois, com o resultado em mãos, se surpreendeu ao descobrir que tinha HIV.

Durante quase dois meses, três tensões a acompanharam. A primeira, a de ter uma doença incurável. A segunda, de tê-la transmitido ao marido. A terceira, a de tentar reconquistar a confiança do companheiro. Sandra, porém, afirmava que o teste estava errado -e ela falava a verdade.

A reportagem teve acesso a processos por danos morais cometidos por erros em laboratórios dos sócios Walter Vieira, ginecologista preso na segunda (14), e da biomédica Sandra Vieira, onde Sandra recebeu o falso positivo para HIV.

Os dois são donos da PCS Lab Saleme, laboratório interditado e investigado pela infecção de seis pessoas que receberam órgãos com HIV no Rio de Janeiro. Já os episódios anteriores envolvem erros em resultados dados a crianças à espera de cirurgias, gestantes e falsos positivos.

Hoje, Sandra não quer mais falar sobre o assunto e nem se identificar. A tarefa foi dada à filha Camila, que também não quer dar o verdadeiro nome. Na época, Camila tinha 22 anos. “Eu tinha acabado de entrar na faculdade. Tive vários problemas psicológicos. Inclusive, arrancar meu próprio cabelo devido ao estresse”, diz à reportagem.

Assim que a mãe recebeu o diagnóstico positivo do laboratório, foi orientada a assistir palestras sobre conscientização do vírus causador da Aids. Também foi orientada a entrar em contato com o pai e o padrasto de Camila, já que nunca havia feito transfusão de sangue ou tido outros relacionamentos.

A família, então, decidiu fazer dois novos testes em outros laboratórios. Os resultados deram negativo e eles decidiram abrir um processo contra a empresa. O caso foi parar em uma Vara Cível de Belford Roxo.

Os advogados pediram cem salários mínimos de indenização por danos morais e uma retratação pública.

Oito anos depois, em 2018, a Justiça definiu a indenização em R$ 10 mil. “O juiz alegou que o valor da indenização era o suficiente para compensar os danos morais e psicológicos causados à minha mãe”, diz Camila. O casamento acabou e Camila e Sandra passaram a morar juntas.

Apesar da sentença favorável, a Justiça não encontrou o laboratório no mesmo endereço. Walter e Sandra haviam fechado o PCS Lab Farrula, em Belford Roxo, para a abertura do PCS Lab Saleme, em Nova Iguaçu. As contas bancárias do antigo local também foram encerradas, segundo a Justiça.

Os sócios foram, então, processados nominalmente. A ação só chegou ao fim quatorze anos após começar, quando as duas partes chegaram a um acordo. O processo foi arquivado.

Camila afirma que a mãe começou a trabalhar como doméstica no período.

Um patrão, porém, solicitou por escrito um atestado médico de que ela realmente não tinha HIV para frequentar sua casa, afirma a filha. “Um constrangimento atrás do outro”, diz Camila. “Fazer minha mãe esperar por 14 anos e dar uma indenização de R$ 10 mil não foi justo”, acrescenta.

OUTROS CASOS

Em 2019, uma mãe de Nova Iguaçu recebeu o resultado de sangue errado do filho no laboratório. Para o PCS Lab Saleme, o teste indicava O positivo. Na caderneta de vacinação, porém, era A positivo.

Em um segundo laboratório, confirmou-se o A positivo. A cirurgia na região peniana, motivo dos exames, foi adiada. Segundo a defesa, a condição causava na criança infecções urinárias, febre e desconfortos. Os advogados pediram R$ 20 mil em indenização por danos morais.

Na ação, a defesa do laboratório afirma que “não houve negligência, imprudência ou imperícia por parte do laboratório réu, não havendo de se falar de qualquer espécie de dano”. Além disso, argumentou se tratar de uma “entidade familiar, cujos sócios” são ligados à área da saúde, “sempre foi cuidadoso e zeloso na prestação dos serviços”. O caso foi arquivado.

No ano anterior, a mãe de um adolescente de 11 anos também processou o PCS Lab Saleme por um exame ter indicado altos índices de colesterol no filho. Um teste de outro estabelecimento teria mostrado que os resultados estavam normais e o garoto saudável. A defesa suspeitou de uma possível troca de exames.

“Pode haver uma pessoa que acredita estar com os índices normais, se foi de alguma forma trocado o resultado com o do seu filho”, argumentou a defesa da vítima, que pediu à Justiça R$ 10 mil por danos morais. Os dois lados não chegaram a um consenso e o caso também foi arquivado.

Em 2022, uma gestante acusou o laboratório de também errar um teste de sorologia. Para o PCS Lab Saleme, o sangue dela era O negativo. A mãe da gestante, porém, informou que era O positivo.

Até a descoberta do erro, a mulher já havia sido submetida a uma vacina de imunoglobulina para prevenção de doenças de alto risco para o feto causada por incompatibilidade sanguínea. À Justiça, pediu R$ 40 mil em indenização por danos morais. O processo segue na Justiça.

Em nota, o PCS Lab Saleme afirma que, em relação aos “casos citados pela reportagem, três foram arquivados e um segue tramitando na Justiça”.

NOVO CASO NA SEGUNDA

Na segunda (14), outra mulher levou à polícia um falso positivo para HIV do PCS Lab Saleme após dar à luz.

Segundo Tatiane de Andrade Silva Baracho, a filha recém-nascida foi submetida, desnecessariamente, a um coquetel antirretroviral de medicamentos e ficou 30 dias na UTI (Unidade de Terapia Intensiva). “Um dos médicos me falou que eu teria que me apegar a Deus porque não tinha cura”, disse Tatiane à reportagem nesta quarta (16).

Em outubro e dezembro de 2023, a criança passou por dois novos testes em outros laboratórios, que deram negativo. Ela também voltou a fazer um novo teste no PCS, que teria protelado a entrega dos documentos até janeiro. Nesta última tentativa, o teste que havia dado positivo foi corrigido para negativo.

Em nota sobre este caso, o PCS Lab Saleme disse que “o resultado do terceiro teste da gestante estava disponível desde o dia 29 de setembro de 2023, mesma data em que foi acessado pela equipe da maternidade. Entre os dias 12 de outubro e 14 de janeiro, o resultado do exame foi impresso 12 vezes na maternidade, conforme registro em sistema.”

O PCS Lab Saleme atendia a pelo menos 17 hospitais no Rio de Janeiro, como mostrou a Folha de S.Paulo. A lista ia de hospitais especializados em transplantes a um hospital psiquiátrico no Rio de Janeiro, além de três UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) no município de Nova Iguaçu.

O erro nos exames do laboratório PCS Lab Saleme fez com que seis pacientes recebessem transplantes de órgãos infectados com HIV.

Nesta quarta (16), o técnico de laboratório Cleber de Oliveira Santos, acusado de ter emitido um dos laudos com falso negativo para HIV nesses casos, foi preso. Também estão presos o sócio Walter Vieira, os técnicos laboratoriais Jacqueline Iris Bacellar de Assis e Ivanilson Fernandes dos Santos.

MARCOS CANDIDO E BRUNA FANTTI / Folhapress

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