Luiz Schwarcz ganha prêmio em Frankfurt e defende que editores não são artistas

FRANKFURT, ALEMANHHA (FOLHAPRESS) – “Um editor ganhar um prêmio é um pequeno absurdo, uma inversão”, brinca Luiz Schwarcz enquanto toma Coca-Cola meia hora antes de subir ao palco na Feira de Frankfurt para receber os louros por uma carreira dedicada aos livros.

“De certa maneira, tudo o que eu procuro mostrar é que o mundo editorial é dos escritores, e a gente é um primeiro leitor intermediário entre dois polos importantes, eles e seus leitores.”

A fala é recheada de modéstia, mas adiantou com precisão o tom que o fundador e diretor do maior grupo editorial do país, a Companhia das Letras, procurou dar ao discurso que fez diante de alguns de seus principais pares no mundo.

Ele recebeu o prêmio Cesare De Michelis, honraria conferida por uma tradicional editora italiana há quatro anos, que pela primeira vez foi entregue durante a feira alemã, maior congregação de profissionais do livro do mundo, com presença de Juergen Boos, o diretor do festival.

Há sete anos, Schwarcz também levou um troféu pelo “conjunto da obra” na Feira de Londres, o outro grande evento do mercado editorial na Europa. Fortes sinais de que está “ficando velho”, diz o homem de 68 anos, sorrindo consciente do clichê.

Antes de outros pormenores, é melhor adiantar mais do contexto de reflexão pelo qual passa o editor —ele está finalizando um livro sobre seu ofício chamado “O Primeiro Leitor”. Deve sair no próximo ano, se tudo der certo, e já sofreu alterações por sugestão de seus primeiros leitores.

Os editores, disse Schwarcz no palco desta quinta, são “os primeiros leitores de uma enormidade de emoções e de vulnerabilidades acumuladas no tempo da realização de um texto”.

“Antes disso, o que o escritor via à sua frente era uma tela sem nada ou uma página em branco”, continuou. “Na compreensão desse silêncio inaugural se funda a nossa profissão.”

A carreira de Schwarcz se fundou nos anos 1980, quando ele já trabalhava na casa dos 20 anos em uma editora renomada da época, a Brasiliense. Levantou do chão a Companhia das Letras com sua parceira, a historiadora Lilia Schwarcz, com apenas 30 anos nas costas, em 1986.

Hoje a casa agrega múltiplas editoras, de especializações que vão da literatura infantojuvenil até o mangá. Desde 2018, seu controle majoritário é exercido pela americana Penguin Random House, o maior conglomerado editorial do mundo, em cujo estande o repórter encontrou Schwarcz sentado numa mesa nesta quinta.

Já faz uns anos que a atuação dele tem sido mais discreta. Fala com menos empolgação e mais ceticismo das grandes feiras internacionais, com a voz se animando mais ao ressaltar seu papel em divulgar seus autores brasileiros pelo mundo.

Tem orgulho de já ter feito livros populares em feiras como “Boca do Inferno” de Ana Miranda, que mexeu com Frankfurt nos anos 1980, e hoje sai recomendando escritores como Geovani Martins e Jeferson Tenório, cuja carreira o canhão da Companhia ajudou a catapultar.

É o apreço de ser um editor com a mão “no papel”, para usar uma expressão sua, em oposição a chefes de conglomerado que ficam de olho só nos negócios —esse papel mais empreendedor, ele dividiu nos últimos anos com o jornalista Matinas Suzuki Junior, que deixa a Companhia no final do ano.

Schwarcz diz com ternura ter feito comentários à primeira versão de “De Onde Eles Vêm”, novo romance de Tenório, apesar de reconhecer que raramente tem tempo para ler versões finalizadas.

O discurso dele em Frankfurt quis confrontar a ideia de que o editor é um artista, como já defenderam pares como o italiano Roberto Calasso. Esse termo, afirmou, deve ser usado “apenas para o trabalho dos escritores a quem dedicamos nossas vidas”.

“Publicar livros resume-se, em grandes linhas, a atos ininterruptos de entrega, entrega aos escritores e aos leitores.”

O editor lembrou um livro de Ricardo Piglia que leva um nome que rima com o do seu —”O Último Leitor”. Só que ali o argentino lembrava cenas inspiradoras de gente como Jorge Luis Borges e Che Guevara exercendo a leitura nas condições mais adversas.

“O último leitor é assim um herói”, arrematou Schwarcz no discurso. “Já o primeiro leitor é apenas um homem comum.”

WALTER PORTO / Folhapress

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