SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pouco menos de dois meses depois do atentado à faca que matou três pessoas em um festival em Solingen, o Parlamento da Alemanha aprovou nesta sexta-feira (18) o chamado “pacote de segurança”, como ficou conhecida na imprensa a série de medidas que restringem imigração, acesso a armas brancas e auxílio a refugiados no país.
O pacote entrou em vigor logo em seguida quando foi aprovado pelo Conselho Federal, órgão semelhante a uma câmara alta do Legislativo alemão que reúne governadores e representantes dos estados. O Conselho, entretanto, derrubou o trecho da legislação que expandia o poder da polícia de coletar e armazenar dados biométricos de refugiados. As outras medidas foram aprovadas.
O pacote, apresentado ainda em agosto, causou controvérsia entre os partidos da coalizão do primeiro-ministro Olaf Scholz. Membros importantes de seu SPD (Partido Social-Democrata da Alemanha) se pronunciaram contra a medida, argumentando que ela “fortalece uma narrativa racista e excludente” ao mirar refugiados ao mesmo tempo em que trata de novas medidas para combater o terrorismo.
“Em vez de se concentrar no combate ao islamismo político, o governo relaciona diretamente o tema da segurança com a retirada de direitos de quem pede asilo”, disseram em carta aberta parlamentares do SPD contrários ao pacote. “Uma política que deixa essas pessoas a pão e água é uma política contra a dignidade humana e não pode ser apoiada por social-democratas.”
Entre as medidas aprovadas nessa sexta, a mais controversa é a que retira auxílio financeiro a refugiados que entraram na União Europeia por outro país. De acordo com o Acordo de Dublin do bloco, refugiados devem ter seu pedido de asilo avaliado pelo país onde primeiro entraram na UE poucas pessoas chegam primeiro à Alemanha, uma vez que a principal travessia é pelo Mediterrâneo, mas um número considerável imigra até o país mais tarde.
Nessa hipótese, a pessoa que pede asilo deve aguardar no país onde entrou e, se não o fizer, pode ser deportada.
O autor do atentado em Solingen se encaixava nesse caso. Issa al H., um refugiado sírio, entrou na UE pela Bulgária em 2022 e pediu asilo ao governo búlgaro. Quando chegou à Alemanha, Berlim pediu a Sofia que o recebesse de volta, uma vez que ele deveria esperar a conclusão do seu pedido de refúgio na Bulgária. Assim que o governo búlgaro concordou, as autoridades alemãs fizeram uma tentativa de deportar Al H. mas ele não foi encontrado e permaneceu livre até cometer o atentado.
Críticos da medida afirmam que retirar o repasse de um valor mínimo de subsistência para essas pessoas vai ajudar a empurrá-las para o crime e prejudicar a integração. A ministra do Interior da Alemanha, Nancy Faeser, havia dito que o pacote “fortalece a segurança do nosso país” e que “é a resposta certa ao novo nível de ameaça depois do ataque brutal de Solingen”. A lei prevê exceções quando o corte afetar crianças.
O pacote de segurança inclui ainda uma lei que proíbe o porte de facas e outras armas brancas em uma série de espaços públicos: festivais, shows, feiras, mercados de rua, bem como estações de trem, rodoviárias e no interior de trens, ônibus e barcos.
As novas leis facilitariam ainda a deportação de imigrantes ao permitir que o governo federal e estados coletem e compartilhem dados biométricos de refugiados a fim de avaliar se eles entraram primeiro na UE pela Alemanha e dariam à Polícia Federal a possibilidade de guardar, por até três dias, dados biométricos sem a permissão de um juiz. Essa medida sofreu fortes críticas, uma vez que a Alemanha é um país com leis rígidas de privacidade, e acabou derrubada pelo Conselho Federal.
O pacote foi aprovado no Parlamento com 367 votos favoráveis 48 a menos do que dispõe a coalizão de Scholz, formada por SPD, FDP (Partido Liberal-Democrata) e Verdes. Houve 281 votos contrários, 4 abstenções e 81 ausências.
A incerteza sobre o apoio da própria coalizão às medidas fez com que o governo proibisse parlamentares de comparecerem à homenagem oficial ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em visita de Estado a Berlim nessa sexta.
A CDU (União Democrata Cristã), principal partido de oposição, se posicionou contra o pacote mas pela razão contrária. Para o partido de centro-direita, que está na frente em pesquisas eleitorais e deve voltar a governar o país depois das eleições de 2025, as medidas não vão longe o bastante: o presidente da sigla, Friedrich Merz, chegou a pedir que o país fechasse completamente as fronteiras para refugiados de países como Síria e Afeganistão.
Quando o pacote foi apresentado em agosto, especialistas em imigração lamentaram a aposta do governo em medidas mais duras de eficácia duvidosa.
“A imensa maioria dos refugiados na Alemanha tem seu status legalizado e quase 80% daqueles que recebem uma ordem para deixar o país o fazem de maneira voluntária, sem que seja necessária a deportação”, disse o pesquisador da Universidade Humboldt Herbert Brücker ao jornal Zeit Online. “A Alemanha desperdiça sua boa reputação como país aberto a imigração com debates como esses.”
VICTOR LACOMBE / Folhapress