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Tese frágil ofusca poucas qualidades de filme sobre criador do bitcoin

FOLHAPRESS – Há quem encare o surgimento do bitcoin como um presente dos céus. Em 2008, um artigo descrevendo um “sistema de dinheiro eletrônico ponta a ponta” surgiu de repente na internet, assinado por um tal de Satoshi Nakamoto.

Acontece que Nakamoto não era uma pessoa real, e investidores, libertários e entusiastas das criptomoedas gostariam de ter uma resposta, bem como para “comprar ou vender?”, faz 15 anos.

“Moeda Digital: O Mistério do Bitcoin”, documentário produzido pela HBO e lançado no streaming Max neste mês, buscou resolver o enigma.

O diretor Cullen Hoback defende que Nakamoto é, na verdade, o canadense Peter Todd, um ativista da criptografia (ou “cypherpunk”) que na época era um universitário com pouca experiência em programação. Ele nega.

Encontrar Satoshi não é sanar uma mera curiosidade. O anônimo foi o primeiro a minerar as moedas e seria dono de cerca de 1 milhão delas, uma fortuna de US$ 67 bilhões que o colocaria entre as 25 pessoas mais ricas do mundo. Isso, claro, se ele estiver vivo e não as tiver destruído.

Hoback reconta no filme a história da moeda desde o primeiro bloco, apelidado de “genesis block”, ao sumiço de Nakamoto da internet, em dezembro de 2010. A narrativa passa pelo uso controverso do bitcoin para compra de armas de fogo e drogas no site Silk Road à popularização durante a pandemia, com algumas crises no caminho.

O que era uma ideia de nicho acabou tomando formas de culto e virou praticamente o Santo Graal dos libertários de direita. A moeda registra uma valorização de quase 15.000% desde 2016, com altos e baixos, e hoje já é uma opção de investimento convencional.

Para chegar à conclusão, o diretor investiga e entrevista vários envolvidos –e, portanto, suspeitos– naqueles primeiros anos e nos seguintes.

O principal é Adam Back, criptógrafo britânico criador do Hashcash, sistema de criptografia citado por Nakamoto no artigo, e fundador da Blockstream.

Também aparecem Gavin Andresen, da Bitcoin Foundation; Samson Mow, que esteve por trás da adoção da criptomoeda em El Salvador; Roger Ver, influenciador conhecido como “Jesus do bitcoin”, e Peter Todd, hoje consultor de criptografia.

Há espaço até para Nouriel Roubini, o “Doutor Apocalipse” que previu a crise global de 2008, fazer o papel de cético.

Como a principal ideia por trás do bitcoin é sua descentralização, fora do controle dos bancos centrais e dos Estados, uma proeminência de um criador poderia causar perseguições e um desequilíbrio ideológico.

Sem contar que a movimentação desse 1 milhão de bitcoins poderia alterar de vez o valor da moeda –limitada por design a 21 milhões de unidades– e até sua existência no futuro.

É por isso que os principais envolvidos negam quaisquer acusações e dizem que ninguém sabe quem é o criador.

As provas que Hoback consegue são frágeis, mas chamam a atenção porque Todd nunca havia sido cotado. Os frequentes sempre foram Adam Back, Nick Szabo, Hal Finney e Wei Dai. Em maio, a Justiça britânica decidiu que o empresário Craig Wright, que chegou a reivindicar o título, não é o criador do bitcoin.

Uma das evidências apresentadas é uma publicação de Todd em um fórum que o diretor do filme sugere ser uma continuação, não uma resposta, a uma mensagem anterior, de Satoshi. Como se eles fossem a mesma pessoa usando contas diferentes.

Outra é uma mensagem a que ele conseguiu acesso em que Todd diz que é o “maior especialista do mundo em sacrificar bitcoins”, supondo que ele estaria se referindo ao estoque milionário de moedas digitais. O acusado diz que são coincidências, já que esteve envolvido com o assunto logo no início.

Hoback parece não ter percebido que o grande valor de seu documentário estava nas pessoas às quais ele teve acesso, não na conclusão à qual queria chegar. Em vez de discutir com os melhores especialistas possíveis sobre as origens e o futuro do bitcoin, ele insiste em uma encenação “whodunit” (quem fez isso?) baseando-se em uma tese frágil que dependeria da polícia e da Justiça para ser verificada.

Os melhores momentos são destinados a discutir a história e a própria historiografia do bitcoin. Mas o futuro que se desenha, com bancos centrais do mundo todo apostando em versões digitais de suas moedas, é pouco explorado.

O diretor tem acesso aos bastidores da adoção da criptomoeda em El Salvador, único país do mundo a oficializá-la, mas nem sequer considera procurar por algum efeito prático no dia a dia das pessoas comuns.

Nada exemplifica mais essa fragilidade do que deixar a revelação do suposto culpado para os últimos minutos do filme e apresentá-la como uma reviravolta, como se o suspense pudesse dar mais credibilidade às provas.

Confrontado pela teoria durante um encontro final com o diretor, Peter Todd demonstra nervosismo, mas responde com sarcasmo e diz que a ideia é ridícula. Adam Back, que está ao seu lado, parece se esforçar para manter uma reação neutra.

O principal suspeito desde então vem ironizando o documentário pelo X (ex-Twitter). Já Back escreveu que ninguém sabe quem Satoshi é, e que isso é uma coisa boa. Já a ala ideológica do bitcoin na rede social talvez tenha resolvido o mistério com um novo bordão: “Somos todos Satoshi”.

Moeda Digital: O Mistério do Bitcoin

Classificação: 12 anos

Produção: Estados Unidos, 2024

Direção: Cullen Hoback

Onde: Disponível no Max

Avaliação: Regular

GUSTAVO SOARES / Folhapress

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