Filme ‘I Saw the TV Glow’ faz da televisão uma realidade mais atrativa  

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Sufocado pela rigidez de seu pai e isolado dos colegas de escola, o jovem Owen, papel de Justice Smith, prefere a realidade dos programas de televisão. Ele conhece a sua única amiga, Maddy, interpretada por Brigette Lundy-Paine, e juntos passam madrugadas maratonando “The Pink Opaque”, série de fantasia onde duas adolescentes enfrentam monstros de outro universo. Conforme a obsessão pelo seriado aumenta, os limites entre a ficção e o real se confundem.

Continuando a sua “Screen Trilogy” –trilogia que explora a relação humana com as telas digitais–, Jane Schoebrun dirige “I Saw The TV Glow”, em exibição na Mostra de Cinema de São Paulo. Se no antecessor, “We’re All Going to the World’s Fair”, estávamos restritos a um único espaço, o quarto de uma adolescente exibido pela webcam de um computador, dessa vez o televisor introduz uma trama mais robusta.

Da materialização de criaturas saídas de “The Pink Opaque” ao envelhecimento dos protagonistas frente a saltos no tempo, a produção da A24 permite um orçamento muito maior. Nem por isso há um rompimento com o projeto de cinema de Jane, ainda que existam alguns danos colaterais.

Owen encontra em sua atração favorita uma forma de suspender a própria existência. Seu corpo parece não lhe pertencer, sua identidade parece não fazer sentido, e há pouco que o mantenha conectado ao mundo verídico. É como se as imagens da televisão, as aventuras solucionadas em menos de 30 minutos e a dupla de jovens guerreiras complementassem sua verdadeira natureza.

Essa ideia de continuidade entre o homem e as imagens está longe de ser uma novidade. O cinema de David Cronenberg, por exemplo, produziu diversos contos sobre essa relação, reservando distorções horrendas àqueles que tentam superar a própria forma. No caso de Schoebrun, esse vínculo manifesta emancipação.

Isso, ao menos, antes que o sonho acabe. Quando “The Pink Opaque” é cancelada antes do episódio final, tudo se transforma. Maddy desaparece e passa a assombrar Owen em suas memórias. O garoto se vê preso a um pai que mal se levanta do sofá, e crises de pânico o impedem de conseguir um emprego. Não lhe resta alternativa se não procurar pelo capítulo perdido.

Embora o trânsito entre a realidade e o onírico represente bem o filme, nem sempre isso se dá de maneira pura. Com letreiros animados em tons violeta, a primazia por cores vibrantes e a trilha de cantoras indie como Phoebe Bridgers e Caroline Polachek, a direção imprime uma insegurança destoante do projeto antecessor, possivelmente refém dos produtores.

Existe aqui uma sobrecarga que pressupõe a necessidade de se estimular o espectador a todo momento. Para tudo se encontra algum símbolo ou metáfora visual, o que gera algum grau de contradição.

De um lado, um garoto que não se sente representado pelo mundo em que vive. Do outro, uma alternativa imaginária à beira da falência. O ruído entre os dois eixos seria beneficiado por menos explicações, e o filme teria mais orgulho em reconhecer a incapacidade de determinados códigos ao representar a complexidade de Owen.

Talvez até o faça, mas menos pelos méritos do projeto si do que pelo conjunto total da obra de Schoebrun. Enquanto alegoria trans e carta aberta ao potencial libertador das narrativas fantásticas, entretanto, “I Saw The TV Glow” tem seus momentos onde é realmente impossível se desvencilhar do brilho da televisão. Resta aguardar pelo terceiro capítulo da trilogia para ver até onde o último é capaz de iluminar.

I Saw The TV Glow

Quando: 21/10, às 18h10, na Cinemateca; 22/10, às 21h, no Kinoplex Itaim e 26/10, às 13h30, no Cinesystem Frei Caneca

Elenco: Justice Smith, Brigette Lundy-Paine e Fred Durst

Produção: Estados Unidos, 2024

Direção: Jane Schoebrun

Avaliação: *Bom*

DAVI KRASILCHIK / Folhapress

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